quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

XXXIV – Conclusões (Parte I)

Entre os e-mails que pegava neste fim de semana havia um que me deixou eufórica. Jean Pierre, meu dileto hair stylist estava de volta e louco pra colocar em prática, os conhecimentos adquiridos no seminário do qual participou. Marquei o primeiro horário disponível e magoou-me um pouco que já houvesse quatro clientes antes de mim.


Em seguida, liguei para o Tatá que imediatamente topou me fazer companhia.
– Quem sabe acabo fazendo uma hidratação... – Pensou alto.
– Show! Te pego aí em meia hora! – Combinei antes de me despedir.


Tive uma surpresa ao chegar à casa de meu amigo. Augusta e Geórgia estavam de pé ao seu lado parecendo também me esperar.
– Ah, Léo, podemos ir com vocês? – Perguntou Geórgia. – Estou querendo mesmo uma reformulada no meu cabelo! Sei que a esta altura, não consigo mais horário com o Jean Pierre, mas me contento com qualquer um de seus assistentes!

Eu nunca negaria um pedido da Gegê. O problema era ter que engolir a intragável da Guta junto.


– Lééééééééééo! – Jean Pierre gritou afetado assim que entrei em seu salão. – Meu Deus, que saudade, loira! Estou vendo que continua linda, mas seu cabelo está um lixo! Manchado e com as pontas secas! Que horror!
– A culpa é sua, que me abandonou a própria sorte, Pierre!


– Não mete essa, mona, minha equipe estava o tempo todo aqui de prontidão, eu confio piamente em cada um deles! São quase da família! – Justificou-se.
– Sem querer desmerecer ninguém, biba, mas só quem toca no meu cabelo é você... Tá cansada de saber!


Jean Pierre me deu um beijo estalado na bochecha.
– Você me emociona, diva! Porque diabos seu nome não era o primeiro de hoje, heim?
– Ah, porque algumas espertinhas foram mais rápidas que eu! – Fiz bico.


– Até parece que você não sabe o caminho, nem com quem falar... Cliente VIP é cliente VIP! Eu, heim!
– Não gosto de abusar das minhas regalias... – Fingi desinteresse.


– Rá! Desde quando? Ontem?! Pra cima de “moi”, Léo...

Eu ri junto com ele, e mesmo que me desse um desconforto, a verdade é que realmente ser a primeira ou a quinta cliente a passar pelas mãos de um “hairdresser”, ainda que fosse um mago, não tinha mais a importância de antes.


Apresentei meus amigos – que até então apenas observavam tudo – ao cabeleireiro, e pedi sua sugestão:
– Tatá só quer fazer uma hidratação, mas a Gegê quer dar uma reformulada no visual... Pode indicar alguém pra dar uma atenção especial nisso?
– É pra já! 


Jean Pierre estalou os dedos. Um rapaz – pelo menos foi o que me pareceu – surgiu e levou Geórgia até sua cadeira.
– Hummm... – Murmurou. – Para o boyzinho, a Suzie seria perfeita, ela opera milagres em cabelos ressecados, mas pode ser que ele prefira o Andrey... O único macho do local! – Disse e sorriu, deixando Tadeu com cara de poucos amigos.


Percebendo a irritação de meu amigo, Jean Pierre tentou remendar:
– Oh, desculpe! Sabe... Nós, homossexuais, temos... Como direi? Um “gay-dar”... Nome sugestivo para uma espécie de radar sensitivo que nos permite identificar outros iguais... De longe! Acontece que nem sempre o dispositivo funciona muito bem... Enfim... Melhor a Suzie...


Jean Pierre me levou para o outro lado do salão.
– Então... Que tal, franja? – Perguntou antes mesmo d’eu me sentar.
– Franja?! – Questionei. – Não uso franja desde os... Sei lá... Doze anos!


– Tá super “in”, gata... Ainda vai dar uma rejuvenescida nesse seu semblante! Não que você precise...

Eu nunca questionava o trabalho de Jean Pierre. Até porque não houve uma vez que eu saísse de lá insatisfeita, por mais provável que me pudesse parecer.


O trabalho ficou formidável, mas eu não esperava menos. Ele deu uma leve escurecida no tom, e fez uma escova que dividia meu cabelo na parte de trás.
– Está lindo, Pierre, mas por mais que eu tenha alguma intimidade com o secador e o “baby liss”, não vou conseguir reproduzir isso todos os dias.


– Eu não faria isso com você, não é, Léo?! Além do mais, seu cabelo é tão bom que você pode até deixar ele secar ao natural! – Ele fez uma pausa, e eu uma careta. – Ok, sabemos que essa possibilidade não existe com você... Vai ficar ótimo, loira... Pode voltar aqui e me esfolar vivo se ficar ruim...


Quando os levei até em casa, meus amigos me convidaram para entrar e beliscávamos algums tira-gostos à mesa.
– Ele bem tem cara de quem gosta de ser esfolado vivo! – Tatá falou com desdém acerca do meu comentário. Definitivamente ele tomara implicância de Jean Pierre.
– Amei suas tranças, Gegê! – Desconversei.


– Nossa, Léo! Também adorei! – Geórgia respondeu. – As mechas acobreadas deram um charme especial... Aquele Louis é mesmo muito bom!
– Achei que você fosse fazer alguma coisa, Guta... Foi até lá só para passar horas sentada, esperando a gente terminar... – Tadeu mostrou mais uma vez seu mal-humor ao perguntar.


– Eu consegui um horário com o próprio JP em alguns dias... Prefiro esperar. – Respondeu com falso ar de tédio.
– JP? Você está mesmo se referindo ao Jean Pierre? – Estranhei.


– Por quê? Só “vossa majestade” pode cortar o cabelo com ele? – Debochou.
Eu soltei uma sonora gargalhada.
– Não, não foi o que eu quis dizer... Mas se pretende continuar sua cliente, nunca chame ele assim!


A ignorância de Augusta a deixou sem graça por apenas alguns segundos. Logo voltou a empinar o nariz para perguntar:
– Ué, qual o problema com JP?
Na intenção de ser ainda mais irônica, imitei o gesto dela ao responder:
– Não cabe a mim te contar, e não é uma história bonita... Mas quem sabe vocês ficam super amigos e ele confidencia pra você... – Sim, confesso que a provocação foi proposital. Aquele diálogo estava me fazendo lembrar o quão triste seria ter que procurar outro “hair stylist” como Jean Pierre, eu não queria pensar nisso.


Augusta disfarçou bem a sua irritação.
– Obrigada por avisar. Vou me lembrar disso. Por falar em lembrar, – ela lançou-me um olhar cínico antes de prosseguir – não lembro a última vez que seu irmão me ligou. Ele está vivo? Nem pelo Campus eu tenho visto ele.
– Vivo, saudável e feliz! – Respondi com o dobro de seu cinismo, fazendo com que Tatá me desse um belo pontapé por baixo da mesa. Certamente ficará roxo.


A tarde chegava ao fim, e eu voltava para casa, dirigindo sob o crepúsculo. A música que tocava no aparelho de som parou de repente e por instinto baixei a cabeça para olhar o dislplay. Foram frações de segundos que por algum milagre não se transformaram em uma tragédia completa.


Não chegava a meio metro, a distância que separava o meu C3 de uma Fernanda apavorada, que segundos antes, atravessava a rua cabisbaixa e desatenta.
– Está tentando se matar, sua demente?! – Vociferei sem tirar as mãos do volante.


Esperei por uma resposta malcriada, mas ela não veio. Não sei nem se Fefê me reconheceu por trás do vidro fumê do pára-brisa. Ela debruçou sobre o carro e baixou a cabeça. Duas grossas lágrimas desprenderam de seus olhos e morreram no capô.
– Tal... vez... – A palavra saiu com tanta dificuldade que eu quase não compreendi.


Desci do Citroën na intenção de consolá-la, mas estava receosa. Nosso último encontro não havia sido agradável, e ela estava chorando novamente.
– Desculpe, eu não vi você... Está ferida?
Fernanda tentava encobrir o rosto lavado, mas isso não era capaz de esconder sua consternação.
– Seu carro não encostou em mim... Pode ir embora!


– Escute, sei que não sou uma pessoa simpática, nem nunca tentei ser amigável... Mas não sou insensível como talvez você pense, por isso não posso te largar aqui sozinha desse jeito. Quer que eu chame alguém?
– Não quero falar com ninguém! – Exclamou entre soluços.


Eu resolvi ignorar sua grosseria.
– Tudo bem então... Vou ficar por aqui em silêncio, até você resolver ligar pra algum amigo ou me deixar te levar em casa... Eu não me incomodo que você finja que não existo.


– Some daqui, Léo! Me deixa em paz! Não percebe que sua presença só piora as coisas pra mim?! – Bradou exaltada ainda escondendo o rosto com uma das mãos.
– Não! Eu não percebo, porque não lembro de ter feito nada pra você me odiar desse jeito! – Respondi-lhe irritada.

A não ser que me odiasse apenas por ela ser amiga de Penélope. Mesmo assim ainda era incompreensível pra mim.


– Eu não sou você, Leandra! Eu nem quero ser! – Ela concluiu baixando a cabeça, e aliviando um pouco a tensão, porém me deixando mais confusa. – Porque ele acha que eu deveria?
Foi então que reparei numa pequena marca em seu rosto. Um corte ou um hematoma entre os borrões que as lágrimas fizeram em sua carregada maquiagem.
– E-eu... – Gaguejei. – Eu sei tanto quanto você... Sequer compreendo o que diz...


– Porque ele me compara a você o tempo inteiro? Porque ele acha que eu tenho que me portar e me vestir como você? Gostar de tudo que ele pensa que você gosta! Por que ele reclama que não sou loira?
– Ele quem? De quem é que está falando?


– Se é você quem o Doda ama, porque simplesmente não pára de me procurar! Eu não entendo!

Eduardo?! Não o Eduardo. Ela não podia estar falando sério. Ou estava completamente equivocada.


– Fefê... – Chamei-a pelo apelido, possivelmente pela primeira vez. – Eu posso te afirmar que o que ele sente por mim não tem nada a ver com amor, nem paixão, e pra falar a verdade... Nem penso mais que seja puro tesão como já imaginei um dia!
– Eu não acredito em você!


– Acreditaria se visse a forma como ele me trata. As coisas que fala pra mim e até mesmo o jeito de me olhar. Foi ele quem te machucou?

Fernanda parecia surpreendida pela minha pergunta, e instintivamente levou a mão ao ferimento, mas não conseguiu me responder.


Seu silêncio apontou sua confissão.
– Olha... Eu desconheço o tipo de relacionamento que você tem com o Eduardo, e nem é da minha conta, eu sei. Mas se você gosta mesmo dele, de verdade, convença-o a fazer um tratamento. Ele não está bem, e definitivamente pode acabar se encrencando com essas atitudes...


Fefê continuava muda, presumo que ponderando sobre minhas palavras.
– Venha, eu te dou uma carona até a República... – Ofereci.
– Não! – Respondeu quase com pavor. – Não quero ir pra lá, se o Zeca me encontrar nesse estado... Ele vai saber e... – Ela se atropelava medindo as palavras. – Eu não quero complicar as coisas...


– Está bem... – Poupei-a de continuar. Estava claro que ela não desejava uma punição para seu afeto. – Eu entendi. Vamos comigo até minha casa, então... Tenho um bom corretivo para olheiras que deve dar um jeito nisto aí...


Fernanda assentiu e nada conversamos no percurso. Após eu entregar-lhe a minha maquiagem, levei-a até o banheiro.
– Pode tomar um banho, se quiser... As toalhas estão ali penduradas e o secador de cabelos está no armário. Fique a vontade.
Ela me olhou enternecida.
– Muito obrigada, Léo...


Enquanto Fefê se recompunha, eu aproveitei para pegar minhas mensagens no celular. Havia uma de Pedro que dizia “Eu te amo S2. Me espere de lingerie” – que me fez sorrir tolamente para o aparelho – e uma importante de Yuri, repleta de instruções. Respondi a de Pedro com “Só depois que as visitas forem embora”, e para Yuri enviei: “Nem sei como agradecer. Sou eternamente devedora”.


Fui até a cozinha e abri a geladeira a fim de procurar alguma coisa que pudesse oferecer para Fernanda comer. Não havia nada pronto e eu sou um verdadeiro desastre no fogão, então improvisei alguns sanduíches de salame e suco de laranja extraído diretamente da Tetra Pak.


Estava voltando ao meu quarto para chamar minha hóspede-relâmpago, quando Pedro abriu a porta de casa. Estava vestido com o uniforme do futebol, e abriu um belo sorriso ao me ver.
– Pôxa, passei o dia inteiro te ligando e tô vendo que nem meu torpedo você pegou! – Sua conclusão provavelmente vinha do fato de eu não estar de roupa íntima. O que me fez deduzir que ele também ainda não havia pegado minha resposta.


– Ah, Pedro desculpa, é que...
Ele não me deixou terminar. Rapidamente avançou em minha direção, puxou-me pela cintura e deslizou suas mãos pelo meu dorso.
– Você está de franja... Lembra tanto o tempo que te conheci! O que houve? O seu cabeleireiro não estava viajando?


Meu irmão avançava, beijando meu pescoço e meu colo, me deixando entorpecida, eu precisei de toda concentração para avisar:
– Pedro, espera! Nós estamos com visi-...
Tarde demais. Fernanda não me encontrara no quarto ao sair do banheiro, e abrira a porta do meu quarto a minha procura. Ao deparar-se com a cena, escondeu os olhos, visivelmente constrangida.
– Desculpem! Eu... Eu... Oh, meu Deus... Então é verdade?


Fazia sentido. Se Eduardo sabia, certamente teria contado à Fernanda. Ao contrário de mim, meu irmão é amigo dela, portanto deixei para ele a tarefa de explicar-lhe a situação e enfiei-me no chuveiro. Senti uma pena imensurável de estragar o lindo penteado de Jean Pierre, mas na mesma proporção, eu estava precisando relaxar.


Saí do banho e encontrei Fernanda e Pedro na sala. Ela estava somente me esperando para se despedir.
– Obrigada, Léo... Por tudo... E seu corretivo é mesmo divino. Anotei a marca, vou comprar um pra mim...
– Ah, eu sabia que funcionaria! Não dá pra ver nadinha!


– Nadinha? O quê? Tem acordado com olheiras como a Léo, é, Fefê? – Perguntou Pedro.
Ela com certeza não devia ter lhe contado essa parte da história.
– Coisas de meninas, Pedro. E você está sendo muito grosseiro! Não acredito que Léo tenha olheiras... – Fernanda respondeu encarnando uma casualidade que me impressionou.


Fui tomada de pânico quando ela foi embora e eu fiquei sozinha com Pedro. Eu não tinha noção de todo conteúdo da conversa que os dois tiveram. Queria saber como Doda soube de meu relacionamento com Pedro, mas como faria isso sem levantar suspeitas? Comecei perguntando pelo óbvio:
– Conseguiram conversar? Ela levou numa boa?
– Pode ficar tranquila quanto a isso...

Podia? Era só isso que ele tinha pra me dizer? Nada sobre Penélope, nada sobre Luiza?


Tentei não me aborrecer, mas a chateação impulsionou minha coragem para mudar o assunto.
– E o que ela te contou?
– O que você já sabe... Ela discutiu com o Doda e você quase a atropelou. – Ele riu ao resumir. – Barbeira!

A calma de meu irmão estava me incomodando.


– Acha que ela ficou bem? – Tentei disfarçar a ansiedade na minha voz.
– Ah... Eu não sei ao certo... Ela gosta do cara errado... Sabe, não que eu seja exemplo de comportamento, mas não gosto da maneira como Doda olha para as mulheres, de uma forma geral... Menos ainda a forma como olha pra você...


Eu me mostrei surpresa, e ele continuou:
– Sim, eu reparei... Bom, cada um sabe de si, mas Zeca às vezes não se conforma. Ele gosta mesmo da Fefê, e acha que Eduardo é perigoso... Eu não acredito que seja tanto... Eu jogo com o cara, viajamos juntos... Ok, ele não é gentleman, mas daí a ser violento... Eu pelo menos nunca vi... Nem mesmo em campo.

O remorso me arrebatou por eu não dizer a ele as vezes em que seu colega me atacou.


Todas aquelas coisas acontecendo quase que simultaneamente estavam me tirando o sono. A rejeição de papai, os episódios envolvendo o Eduardo, as providências em relação à Desiderata, Augusta, Penélope... Eu temia voltar a sofrer cataplexia e alucinações. Lembrando disso marquei o homeopata. Ainda relutava quanto ao psicólogo, não havia sentido iniciar uma terapia agora, se não pretendia ficar aqui.


Marquei também um almoço com Yuri. Precisava tirar algumas dúvidas sobre suas instruções e ainda gostaria de agradecer pessoalmente tudo que estava fazendo por mim. Conversamos muito mais que apenas isso. Ele contou sobre Sônia, e que após uma sincera conversa, decidiram se divorciar. Ele deixaria a casa para ela e já estava procurando uma para si.


– Eu lamento muito por seu casamento, Yuri... – Senti vontade de consolá-lo, mas me contive. – Achei que talvez conversando... Vocês se entendessem novamente...
– Não lamente... Eu libertei a mim e a ela. Talvez ela fosse tão parecida comigo nesse aspecto, que também não tinha coragem de encarar a realidade. Ela agora pode encontrar a felicidade novamente. E eu também.


Meu professor me levou até em casa, e como o cavalheiro que sempre foi, desceu do carro e abriu a porta para que eu saltasse.
– Ah, não sei se mencionei... Dante, o treinador, já tá sabendo de tudo e colaborando da maneira que pode. Ele torce muito por Pedro, sempre teve um carinho especial por seu irmão, mesmo se esforçando para não demonstrar.


 Fiquei grata e o abracei tão apertado que o senti arfar.
– Obrigada, novamente... Eu já não sei mais de que forma posso retribuir.
– Não pense nisso, Léo... Eu só quero que você seja muito feliz.

Naquele momento, Pedro dobrava a esquina de nosso quarteirão e pode ver a cena, mas, daquele ponto, não era capaz de ouvi-la.


Yuri percebeu sua presença antes de mim, e com delicadeza, me afastou. Mesmo assim, como ele nunca havia repelido um abraço meu, senti que algo estava errado e me virei para olhar. Meu irmão se aproximava. Não tinha o olhar furioso, mas totalmente desgostoso.
– Boa tarde. – Cumprimentou sem nem parar, caminhando em direção a varanda da entrada.


Quando Pedro bateu a porta, eu olhei para Yuri, indecisa e aflita.
– Vai falar com ele... – Aconselhou-me. – Ninguém quer que haja mal entendidos, não é?

Eu assenti.


Entrei pela casa a sua procura, mas Pedro já havia entrado no banheiro e trancara a porta, o que não era seu costume. Ouvi o barulho da pressão da água do chuveiro, e mesmo achando que ele poderia não me ouvir, eu o chamei. Como previ, não obtive resposta.


Eu decidi esperá-lo em seu quarto. Imaginei que se eu fosse para o meu ele não me procuraria. Aguardei por cerca de vinte minutos até que ele abrisse a porta e saísse. Nu, ainda que enxuto. Seu olhar estava indecifrável e eu não sabia o que falar. Apenas o encarava. Ele tomou a iniciativa:
– Desculpe. Eu me esforço, mas não consigo controlar o ciúme que sinto de você com ele.


Apesar de querer repreendê-lo por tamanha infantilidade, eu me lancei em seu colo e ele me acolheu, mexendo em meus cabelos. O que meu irmão presenciara há pouco, não passava de um gesto de gratidão, no entanto conseguia entendê-lo. Não pelos mesmos motivos eu, talvez, tivesse uma crise ao flagrar alguma daquelas ex-peguetes penduradas em seu pescoço, ou até Penélope, ainda que eu soubesse serem apenas amigos.


– Não existe nada entre mim e o Yuri além de um estreito laço de amizade.
– Me irrita pensar que ele seja muito melhor pra você do que eu! – Confessou, comprimindo ainda mais meus ombros com seus braços.


Levantei minha cabeça e olhei no fundo dos seus olhos, porque não queria que ele tivesse nenhuma dúvida quando me escutasse.
– Você é perfeito pra mim.


Pedro me levantou do chão e me girou de encontro à parede, prensando seu corpo contra o meu. Como alguém conseguia ser tão sensível e selvagem ao mesmo tempo? Esta era o tipo da atitude que me deixava entorpecida e sem reação. Mesmo com toda a experiência que carregava, eu me sentia uma garotinha.


Sempre alimentei o pensamento que meu irmão não possuía o dom de seduzir nem uma virgem, porque nunca o olhei deste ângulo, apesar de saber que ele gostava de sexo tanto quanto eu. Se eu tivesse reparado um pouco mais, veria o quanto estava enganada. Senti pena de Augusta, de Luiza, de Letícia. De praticamente noventa por cento do corpo discente feminino da UFEB, pelo que elas perderiam daqui por diante.


Eu acordei despida no tapete do quarto de Pedro no dia seguinte. Havia colchas, lençóis e almofadas espalhadas pelo chão e não conseguia me lembrar de onde elas surgiram. Também não sabia que horas eram, mas pelo que pude perceber, Pedro já tinha saído.


Estava entrando no banheiro quando ouvi batidas na porta da entrada que aumentavam de intensidade de forma preocupante. Peguei a toalha mais à mão para me cobrir e corri para abri-la antes que a pessoa estúpida na sacada a derrubasse. Antes de alcançar a porta, reconheci a voz grossa e estrondosa do lado de fora:
– PEDROOOO! Eu sei que você está aí! Abre a droga dessa porta, seu babaca!


Examinei a situação por quase um minuto inteiro antes de abrir. Estava tão concentrada que mal ouvia os murros na madeira, mas era meu ex-namorado do lado de fora gritando, e apesar d’ele merecer mofar, eu não o queria fazendo escândalo.
– Você e sua mania de derrubar portas, David! Pelo amor de Deus, tenha dó das árvores que morreram em nome da boa decoração!


Ele não se abalou com meu deboche e invadiu a casa, colérico.
– Onde está o desgraçado do seu irmão? Eu vou deformar a cara dele inteira! Quando eu terminar, ele não terá um dente sequer!

As palavras e o modo de falar e de agir de David me fizeram presumir que de alguma forma a notícia chegara até ele.


Eu queria dizer uma dúzia de verdades de forma bem malcriada em sua cara deslavada, mas não era o momento, então eu apenas bati a porta.
– David... Por favor, acalme-se.
– Léo... Não se meta nisso... É papo de macho... PEDROOOOOOOOOOO! – Urrou novamente.


– Pára de gritar, David! Não sei se você percebeu... Mas ele não está!
– Ou está escondido! – Exclamou inconformado. – Vim mais cedo justamente para pegar ele antes de sair! Onde ele se meteu?


– Eu não faço idéia, mas pensa um pouco, tá bom? Ele se esconderia por que, se uma hora ou outra daria de cara com você no treino?
Diante de meu argumento, David mudou seu discurso.
– E eu preocupado com aquele professorzinho de merda! O traidor estava no quarto ao lado!


– Como é?! – Perguntei incrédula.
– Nunca foi o tal do Yuri, né? Era com o Pedro que você me traía! E ele também! Que nojo! Como é que um cara que se diz meu amigo teve coragem de seduzir a minha namorada?! Ainda por cima se dizendo “irmão”! Irmão é o CATSO! – Gritou novamente.


Por que eu estava surpresa com aquela declaração? Nunca era sobre mim, era sempre sobre seu orgulho ferido ou sua virilidade em cheque. Não perderia meu tempo tentando explicar nada para um homem que nunca me ouviu. Abri a porta novamente.
– Vai embora, David! Seu ego é tão enorme que não cabe junto com o meu nesta sala!


– Não, loira! Eu te entendo... – Meu ex-namorado repentinamente alterou seu tom. – Você não teve culpa, foi totalmente seduzida por ele... Eu conheço o Pedro e sua fama, qualquer mulher cai em sua lábia... Ele é o maior pegador da UFEB, você foi só mais uma vítima!
– David, desculpe. Mas você não conhece o Pedro... Assim como não conhece a mim. Aliás, custo a acreditar que você conheça alguém além de si mesmo.


David tinha uma penca de defeitos, mas uma qualidade de se admirar. Sabia o momento de parar. Virou-se sem nada falar e caminhou para a sacada. Acreditei que depois daquela conversa ele havia se acalmado e desistido de brigar com meu irmão. Mesmo assim, achei melhor reforçar a idéia.
– Pense bem antes de quebrar os dentes do Pedro. Ele pode conseguir dentes novos, você pode ganhar uma expulsão...


Contei tudo ao meu irmão quando regressou e questionei-o sobre seu encontro com David, mas ele não quis me dar detalhes, ainda que eu insistisse muito. Dei-me por satisfeita por ele não voltar trazendo um olho roxo, porém, tanto este episódio, quanto o silêncio de meu irmão me serviram de aviso para o que estava por vir.


Eu saía pouco e não tinha uma noção real da situação. Pedro não colaborava, à medida que tentava me poupar de tudo. Desconversava cada vez que eu perguntava e me distraía com suas carícias se eu persistisse. No entanto, volta e meia eu me encontrava sozinha e criando fantasmas acerca do assunto.


Nunca pensei que pagaria tão caro por apreciar a popularidade e dias depois foi a vez de Tatá me ligar para avisar:
– Segurei o quanto pude, loira... Mas antes que as meninas interpretassem da forma como está sendo disseminado pelo Campus, achei melhor dar a minha versão.


Geórgia não me preocupava, sei que ela acreditaria no que nosso amigo dissera.
– Como Augusta reagiu? – Perguntei.
– Bom... – Ele soltou um suspiro. – Ela quebrou alguns copos na parede da cozinha e te xingou com nomes muuuuuitos feios. Mas agora está trancada no quarto ouvindo música brega, então eu acho que ela vai superar...

Fui capaz de ouvir a risada e o comentário de Gegê ao fundo.
– Como você é mau, Tatá! Deixa eu falar com ela!


– Hey, Léo... – Geórgia chamou ao pegar o telefone. – Não dê ouvidos a nada, está bem? E se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo.
– Obrigada, Gegê.. – Agradeci antes de desligar.


Eu me sinto prisioneira em minha própria casa. Receio enfrentar o julgamento em cada olhar de meus colegas, professores e até funcionários da UFEB, mesmo tendo plena consciência de que não estou cometendo nenhum crime.
– Já que trancou mesmo sua matrícula, por que não fica aqui em casa até a poeira baixar, Léo? – Convidou Nicole quando liguei para desabafar.


Era uma saída fácil e indolor para mim, mas e o Pedro? Deixá-lo sozinho nesse momento me parecia tão injusto e covarde! Se ele optou por suportar cada dia sem deixar que nada chegasse até a mim ou o abalasse, eu ficaria firme ao seu lado.


Minha esperança se renovou na semana seguinte quando peguei a correspondência pela manhã e me deparei – entre contas, cartas e postais – com um telegrama de remetente conhecido. Apesar de não estar em meu nome e saber que tal atitude constitui crime previsto por lei, abri o envelope sem pestanejar.


Lá estava a resposta que tanto almejei. Fui tomada de sentimentos diversos, e não sei como consegui conter o choro emocionado, pois mesmo tendo absoluta certeza daquilo que eu queria, havia muito do que abrir mão. E eu ainda teria que convencer o destinatário daquele comunicado.


– Tenho uma coisa importante pra te falar... – Disse-lhe assim que entrou.
Eu estava esperando por Pedro desde antes de anoitecer. De banho tomado, cheirosa e arrumada, sem nem haver motivo para tanto.
– Você me ama, não consegue viver sem mim e quer casar comigo! – Ele disparou de brincadeira com seu olhar petulante.


Excetuando a parte do casamento, ele nem estava errado, e antes que eu pudesse responder qualquer coisa, já estava com seus braços grandes com músculos delineados ao meu redor. Até esse seu jeito metido precisa ser tão charmoso?
– É sério! – Respondi com dificuldade já que sua língua estava fazendo cócegas em meu ouvido.


– Estão te chamando em Desiderata outra vez. Chegou um telegrama hoje de manhã.
Ele reagiu completamente desconsertado.
– O quê?! Como sabe disso?


Procurava o que responder, quando Pedro se afastou mirando os envelopes abertos no sofá e tirou suas conclusões.
– Eu... Não acredito que abriu minha correspondência, Léo! Sabe que pode ir pra cadeia por causa disso?
– Sim, eu sei, mas estava ansiosa demais e tinha certeza do que se tratava! Eu não consegui te esperar, desculpa!


– Como você podia saber o que era, se a forma como os deixei soou tão ingrata e egoísta? Eu jurava que eles jamais cogitariam uma hipótese dessas, talvez nem uma carta de recomendação! Explique! – Meu irmão estava tenso como há tempos não o via.
– É que eu... Eu... Intervim!


O olhar de Pedro se traduziu em raiva e me deu medo.
– Você não tinha esse direito, Léo! – Vociferou. – Não pode tomar decisões sobre a minha vida sem me consultar! Mas que droga! Nós já tínhamos conversado sobre isso! Se não fiquei lá antes... O que diabo deu na sua cabeça pra achar que eu iria agora?! Você enlouqueceu?
– Mas agora é diferente, Pedro... Eu não preciso ficar aqui... Eu vou com você!


Meu irmão respondeu ainda abalado:
– Eu esqueço que você vive num mundo cor-de-rosa, não é? Onde sonhos se tornam realidade num passe de mágica... Acha que seu pai vai aceitar isso tão naturalmente depois daquela reação? Aliás... Conseguiria viver longe dele assim? E de Nicole? Está pronta para abrir mão de sua vida de princesa, cercada de luxo e por gente que te adora, ou que até te idolatra para ir parar num lugar onde ninguém te conhece? Vivendo do jeito que der?


Eu fiquei atônita, e diante da minha não-reação, Pedro concluiu de saída em direção a seu quarto:
– Eu vou tomar um banho e dormir, Léo... Estou exausto do meu dia hoje! Amanhã a gente se fala, tá legal?


Joguei-me na cama sentido a primeira lágrima arder como nunca. As seguintes foram inevitáveis. Tanto minha apatia momentânea quanto minha mágoa não se deviam ao fato de Pedro estar aborrecido por eu ter aberto sua correspondência. E até concordava que estava errada em ter feito tudo em segredo, embora tivesse minhas razões para isso. Contudo, não esperava que ele ainda tivesse essa visão sobre mim.


Mesmo sem conseguir controlar direito meus nervos nem meu pranto, catei minha bolsa e saí. Ainda estava cedo e eu não conseguiria dormir. Também não queria fazer uso de tranquilizantes, uma vez que resolvi levar a sério o tratamento homeopático das minhas esquisitices.


Dirigi sem rumo e sem pressa. Não sabia para onde estava indo, nem faria a menor diferença. Para que mesmo que saí? Talvez eu só não aguentasse saber que Pedro estava no quarto ao lado. Eu estava com tanta raiva! Parecia tão óbvio que eu havia ponderado sobre o assunto e tomado minha decisão consciente de minhas perdas! Como ele não percebeu?


Quando resolvi prestar atenção ao meu redor, estava passando em frente à velha e conhecida pracinha, então parei o carro. Eu devia ter dirigido mais de cem quilômetros sem me dar conta. Ainda pensei alguns minutos antes de descer, mas eu não tinha nada mesmo para fazer.


Não sei precisar quanto tempo fiquei sentada à margem do pequeno lago brincando com uma orquídea que plantaram ali, quando uma voz familiar e completamente reconfortante me alcançou.
– Perdida aí, mocinha?


Não era novidade que meu professor frequentasse o local, mas não consegui esconder minha surpresa em encontrá-lo ali àquela hora.
– Um pouco... – Minha resposta saiu tão sincera e natural que eu me perguntei onde foi parar a intimidação que sua presença normalmente me causava.


Sentindo o tom de tristeza em minha voz e gentilmente fingindo não notar a vermelhidão de meu rosto, Yuri abaixou-se para sentar na grama ao meu lado.
– Quer conversar?

Eu não sabia se queria conversar, ao mesmo tempo, não desejava que ele fosse embora, mas talvez o fizesse se eu permanecesse muda.
– O que está fazendo por aqui? Quer dizer... Não veio trazer Ariel pra brincar a esta hora, não é?


– Não, realmente não... Pra falar a verdade, eu estava voltando para casa e vi seu carro. Não é um modelo muito comum, achei que podia ser você. Acertei.
– Ah...


– Eu posso te deixar sozinha, se preferir... – Sugeriu diante da minha resposta monossilábica e inexpressiva.

Eu nunca preferiria ficar só a estar em sua companhia, é possível que ele saiba disso, e tenha perguntado apenas por perguntar. Meu professor sempre mostrou me conhecer muito bem.


– Me responderia uma pergunta? – Indaguei.
– Você sabe que sim... Já te disse isso. Qualquer pergunta.


– Você amou sua mulher de verdade? Digo... Como sabe se amou?
– Na forma que conheço o amor, sim, mas... Quem consegue definir? Alguns dizem que só se ama uma vez, outros acreditam que só se cura ferida de amor com um outro amor maior. Pode ser que Sônia tenha sido o grande amor de minha vida, e eu não soube cultivar. – Suspirou. – Pode ser que eu encontre alguém que me faça repensar tudo...


Após uma pausa reflexiva, meu professor prosseguiu:
– Posso te dar uma resposta definitiva daqui a alguns anos? – Perguntou baixando a cabeça e abrindo um sorriso tímido que eu ainda não conhecia.

Eu respondi com um meneio. Senti-me quase chantageada, embora não coagida. Haveria no mundo, um homem mais bonito que aquele?


Um longo hiato se fez, porém, antes que se tornasse constrangedor, ele voltou a falar:
– Você me responderia uma pergunta também?
– Ok, mas uma só, se não for muito invasiva. – Brinquei, sendo contrária ao que ele se propunha.


– Vou tentar... Humm... O que está fazendo tão longe de casa?
– Eu não lembro direito como vim parar aqui. Estava chateada, peguei o carro e saí... Por falar nisso, é melhor eu voltar...


Eu me levantei rapidamente e Yuri acompanhou meu movimento.
– Não está tarde para você voltar pra UFEB? Não acha melhor passar essa noite na casa de seu pai?
– Agora já foram três perguntas. – Brinquei novamente. – Não está tão tarde assim, e eu já me acostumei com esse trajeto. Não se preocupe...


– Mas até você chegar de volta ao Campus, vai estar. Por favor...
– Está bem, Yuri... – Interrompi para concordar, embora sem intenção de cumprir. Eu ainda não havia estado com meu pai desde aquele dia da confissão, e como Dora também nada mencionara até então, eu acreditei que não houvesse nenhuma mudança em sua opinião.


Acabei tendo que dirigir até a casa de papai, pois Yuri me seguia em sua picape. Pensei que ele acenaria e seguiria seu caminho quando parei, mas ele estacionou seu carro atrás do meu e também desceu.
– Achei melhor esperar até que abrissem a porta. – Ele respondeu a pergunta que lhe lancei com meu olhar.


– Não é preciso, eu tenho a chave. – Sorri, sem graça.
– Você não vai ficar, não é? Está só esperando eu ir embora para entrar no carro ir também... Estou certo?

De que adiantaria mentir? Se ele consegue ler em meus olhos.


– É... Você acertou... O que quer? Um prêmio? – Perguntei aborrecida. Mais comigo mesma que com ele.
– Desculpe. Estou sendo um chato novamente e por mais que eu te ache tão menina... Bom... Não sou seu pai. Faça o que quiser, mas se pretende seguir viagem, ligue-me assim que chegar, ou mande um SMS, o que preferir, só não me deixe angustiado. Pode fazer isso?


Concordei com um aceno, e já me preparava para entrar de volta em meu carro, quando a porta da frente da casa se abriu, revelando a figura de meu pai. Trajava um roupão que, considerando-se a hora da noite, indicava que fizemos barulho suficiente para tirá-lo da cama. Ele franziu as sobrancelhas na intenção de apurar sua visão, já que estava sem seus óculos habituais.
– Léo?! É você?


– Oi, pai... – Respondi encabulada, enquanto o via descendo as escadas aos tropeços, correndo em nossa direção, ao mesmo tempo em que se atropelava também nas palavras.
– Você está bem? O que foi que aconteceu?


Papai nos alcançou e sua expressão confirmou o quanto estava atordoado, fazia as perguntas sem saber a quem se dirigir.
– Quem é você? O que faz a esta hora na porta da minha casa com minha filha? Onde está o Pedro?
– Calma, pai! Está tudo bem... Que exagero! Está me matando de vergonha!


Dr. Olívio parou e tomou fôlego. Então encarou Yuri com mais atenção.
– Eu conheço você, rapaz? Me parece familiar...
– Não, não nos conhecemos, Dr. Olívio, mas o senhor deve conhecer meu pai, Ernesto Tedesco... Somos muito parecidos fisicamente. Meu nome é Yuri e sou professor de sua filha.


– Ah, claro! A família Tedesco! Que coincidência tornar-se professor de Leandra!
– Pai! – Reclamei.
– É... Parece que... Estamos sempre nos esbarrando por aí, não é? – Yuri piscou para mim.


– Eu estou um pouco confuso... O que fazem aqui? Aconteceu alguma coisa na faculdade?
– Não... Bom... Eu encontrei a Léo por acaso e sugeri que não voltasse ao Campus por causa da hora, então a acompanhei até aqui... Acho que tudo mais ela mesma pode lhe contar, certo, Léo?


Foi a forma que Yuri encontrou de me deixar a sós com meu pai. Mesmo não sabendo de parte alguma de minha história com o Pedro ele parecia entender alguma coisa do que se passava. Essa sua capacidade parecia um dom natural. Com a mão em meu ombro, papai conduziu-me para casa e entramos na sala de estar no mesmo instante em que Dora descia as escadas a sua procura. O sorriso em seu semblante me deu segurança e paz.


– Liga pro Pedro e avisa que vou dormir aqui? Ele pode estar preocupado... – Pedi baixinho ao seu ouvido quando ela me abraçou.
– Pode deixar, meu bem... – Dora respondeu-me no mesmo tom.


– Estávamos falando sobre você agora mesmo no quarto. Não parece uma dádiva, Léo? Vou preparar um chá. Porque não conversam um pouco enquanto isso? – Minha madrasta sugeriu ao se afastar.

Dádiva mesmo era o meu pai ter encontrado a Dora.


Quando Dr. Olívio sentou-se ao meu lado no sofá, atirei minha cabeça em seu colo.
– Papai... Podemos conversar? Prometa que vai me escutar! Eu preciso... Por favor! – Tive medo de encará-lo e encontrar uma resposta negativa em seu olhar antes que ele pudesse exprimi-la em palavras, portanto permaneci imóvel.
– Estou te ouvindo, filha...


Respirei fundo antes de começar:
– Pedro está sofrendo... E nunca na minha vida eu senti uma dor tão forte em vê-lo assim. Por motivos que vão além da minha compreensão, ele se sente tão traidor quanto você o considera. Ele merece que você lhe diga que não é verdade, pai... Porque não é! Nenhum namorado me tratou com mais respeito do que o Pedro. 


Tomei coragem e me virei em seu colo para olhá-lo de frente, e toquei-lhe a maçã do rosto, para que não me desviasse o olhar.
– Meu irmão me ama de verdade, pai, e de uma forma tão linda... Está magoado e carregando sozinho o peso enorme da nossa relação. Ele precisa da sua bênção. Não negue isso a ele. Por ele, e por mim.


– Fui um cabeça-dura, não é? Um velho atrasado e careta... Quando Dora te disse há pouco que estávamos falando de você, na verdade era de você e Pedro, nossos filhos. Desde aquele brunch, eu vinha me sentindo um vilão horrível, mas ao mesmo tempo, meu lado possessivo e ciumento não me deixava mudar de opinião. E todo o dia Dora tentava tocar no assunto, mas eu não queria escutar. Até que hoje de manhã, ela se trancou no escritório e não mais falou comigo. Cheguei a pensar que ela se separaria de mim.


Papai fez uma pausa e fungou.
– Um pouco antes de anoitecer, quando eu já estava prestes a arrombar a porta, ela saiu de lá com um livro grande e pesado na mão, e me entregou. Somente quando abri percebi que era um álbum, onde Dora teve o cuidado de juntar todas as fotos que temos de vocês dois... Filha, não existe uma sequer, em que Pedro não esteja olhando para você com zelo e entrega. UMA! – Frisou. – Não posso mesmo negar minha bênção a vocês.


Uma lágrima solitária escorreu em sua face melancólica, e eu me ajeitei no sofá para acolhê-lo. Eu que estava em busca de consolo, acabei consolando papai.
– Eu fui tão intransigente... Acha que Pedro pode me perdoar? – Perguntou.
– Ô, pai! Tenho certeza que tudo que ele quer é que o aceite como filho novamente... Duvido muito que ele almeje um pedido de desculpas seu.

Ainda terminava de falar quando Dora surgiu na sala.
– Venham! O chá está pronto... Não vamos deixar esfriar...


Eu sempre adorei aquela cama de solteiro do meu antigo quarto. Tanto que, apesar do meu sono leve, dormi até tarde na manhã seguinte. Quando abri os olhos, mal podia acreditar na imagem que gradativamente se formava a minha frente.
– Pedro! Eu tô acordada? – Duvidei. 


Estava tão feliz em vê-lo que por alguns segundos esqueci a minha mágoa. Deslizei para cima dele e derrubei-o no chão.
– Me desculpe... – Automaticamente, seu pedido me fez relembrar.
– Sei que não devia tomar decisões por você, Pedro... Mas foi tão injusto me acusar de leviandade!


Com um impulso, ele se ergueu e me encaixou em seu colo.
– Eu te amo, Léo... É claro que percebo qualquer mudança em você... Sei que não seria irresponsável, eu só... Senti tanto medo! Medo que na hora “H”, você pudesse mudar de idéia. Medo que você vacilasse, e que resolvesse não ir.
– Você não vai se livrar tão fácil assim de mim...


Apertei Pedro contra meu corpo e o beijei. Não estava mentindo. Estava mais que disposta a desculpá-lo, sabia que a pressão sobre ele era maior, apesar dos comentários maldosos serem sempre a meu respeito. Eu tinha certeza que meu irmão absorvia tudo e sentia por mim.


Voltei para a UFEB de carona com Pedro, com a promessa de que mandariam alguém levar meu carro mais tarde. No caminho meu irmão me contou sobre sua conversa e reconciliação com papai, antes de me encontrar. Ele se mostrou animado, renovando minhas esperanças.
– Então... Nós podemos ir? Para Desiderata?


Em minha cabeça, então, faltaria apenas comunicarmos ao meu pai e à Dora. Não acreditava que nenhum dos dois se oporia, àquela altura dos acontecimentos.
– E você, Léo? O que vai fazer lá? Não me entenda mal, estou nas nuvens por ter você ao meu lado, mas... A sua felicidade também me preocupa.


Tudo bem. Ele ainda irá entender que, assim como um dia abriu mão de seu sonho só para ficar do meu lado, eu também seria feliz do mesmo jeito. De qualquer forma, com meu histórico escolar, eu acabei conseguindo uma vaga na federal de Desiderata.
– Estou matriculada para o curso de Serviço Social na UniDes no próximo semestre.
Pedro tirou o pé do acelerador.
– Serviço Social?! – Repetiu pasmo.


Lembrei-lhe sobre minha visita ao Pôr do Sol e minha experiência com as crianças de lá. Sobre o trabalho de Yuri, dos voluntários, e da vida sofrida daqueles que frenquentam da instituição.
– Pôxa, Léo! Que bacana... Eu nunca imaginaria...

Se me tivessem dito isso algumas semanas atrás, nem eu.



2 comentários:

  1. Ah! Muita coisa em uma só!
    Bem o que mais me impressionou: o Tatá e o Jean Pierre... Notei algo ali desde a primeira "mordida".
    E foi este encontro da Léo com o Yuri... Aff, como ele pode sempre estar com ela nas horas mais precisas? Foi aí que acordei: eles tem algo maior que o Pedro com a Léo.

    Odeio isso, mas AMO a história!
    bjosmil! *.*

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  2. Eu não sei se é maior, só sei que é diferente... Um tá sempre quando ela quer, outro quando ela precisa...

    Acho que ela estaria bem com qualquer um dos dois, eu teria uma dificuldade enorme em me decidir...

    obrigada! S2

    ..: Bjks :..

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