domingo, 12 de dezembro de 2010

XXXIII – Reflexões (Parte I)

Foi tranquilizador ouvir a confissão de papai. Naquela época, ao regressar para casa após as férias forçadas, embora o encontrasse menos letárgico, pensei nunca mais ver o seu sorriso. Porém, a alegria voltou ao seu rosto ao conhecer Dora, e este se tornou um dos principais motivos para que eu a aceitasse tão bem em nossa casa, em nossas vidas. Isso e o Pedro.


Quando o conheci, eu apenas sancionei minha acolhida. Ele estava tão envergonhado no dia em que nos apresentaram! Olhava para as paredes e o teto como se nunca tivesse entrado em um cômodo tão amplo quanto a nossa sala. Mas assim que me viu, não desviou seu olhar para mais canto algum. Senti uma sintonia incomum naquele momento, sabia que teria um amigo para sempre.


– Eu magoei você a vida toda, não é? – Questionei meu irmão quando chegamos a nossa casa.
– Não! Você não poderia... No fundo eu sabia, eu sempre soube... Quer dizer... Ah, Léo! Não se culpe! A escolha foi minha.


As lembranças passavam em flash e a jato na minha cabeça. A teimosia em querer que desse o primeiro beijo, minhas implicâncias e provocações, as intimidades que não tinha pudor nenhum em partilhar com ele.
– Você foi insano... E masoquista. É claro que te feri, mesmo que não tenha sido de propósito!


– Sabe... Quando você me contou sobre sua primeira vez, Léo... Eu desejei tanto que fosse mentira! Sonhei com uma forma de voltar o tempo para que tudo se desfizesse, e fosse eu quem tivesse o privilégio. Mas não demorei a cair na real... Não importa quantas vezes eu tivesse esse poder, eu nunca teria a coragem. Você era tão... Inatingível...


Meu irmão parecia resignado, ao lamentar:
– Eu me apeguei a essa premissa. Ela também era cômoda pra mim. Mas ultimamente... – Soluçou. – Achei que te perderia pra sempre. Achei que alguém estava muito perto de ganhar seu coração.

Ficou claro para mim, era Yuri a quem ele se referia.


Aproximei-me de Pedro na altura de seu pescoço, para dizer-lhe bem baixinho ao pé do ouvido.
– Mas parece que meu coração quer mesmo é pertencer a você.
– Então seria a realização do meu sonho, não seria?


Fiquei na ponta dos pés para alcançar a boca de meu irmão, ele içou-me para ajudar. Não é segredo que sempre gostei da sensação de ser protegida por ele, mas agora a vontade estava ainda mais latente e desejei voltar a ser do mesmo tamanho de quando tinha 12 anos. Queria encolher e caber inteira em seu colo.


O resto daquela semana foi dedicado a consultas e exames. Dr. Santana fez muitas perguntas, mas foi bastante evasivo em suas respostas, alegando que precisava dos resultados em mãos para maior precisão do diagnóstico, ou seja, um vai-e-vem sem fim, um blá-blá-blá interminável.


Aqueles dias em casa estavam sendo providenciais para ajustar algumas idéias. Aproveitei os treinos e aulas de Pedro para ligar para a Universidade em Desiderata. O principal motivo era saber que possibilidades havia do meu irmão conseguir aquela vaga de volta. Mas também procurava outras informações.


Entre uma coisa e outra, liguei para o Tatá e pedi que ele inventasse uma desculpa qualquer sobre a minha ausência. Como de costume, ele reclamou dos meus mistérios e eu prometi contar-lhe depois. Não era algo tão simples de se explicar.


Eu planejava passar o fim de semana “internada” em casa, apenas curtindo o Pedro. Era incrível que eu sentisse ainda mais necessidade de sua companhia. Porém, seu rosto não me anunciava uma boa notícia naquela noite de sexta-feira quando ele regressou do campo.


– O que foi que aconteceu, Pedro?
– Droga! – Praguejou. – Eu discuti com o treinador. Esqueci que tínhamos um jogo fora, Léo... Mas de forma alguma vou deixar você sozinha depois de tudo que aconteceu! Eu expliquei pro Dante a situação, mas ele não quis entender! Só que ele não pode me obrigar a viajar!


Foi um balde de água fria, eu confesso.
– Ele não pode, mas eu posso! Não admito que você não vá, seria idiotice! Eu estou ótima! Não faça isso comigo, Pedro, eu vou me sentir pior, e culpada por mais isso também.
– Você não entende, Léo... Que adianta eu ir, se minha cabeça estará aqui? Acha mesmo que vou conseguir me concentrar e jogar direito?


Achei completamente exagerada a preocupação, mas compreendia. Não queria discutir, não queria brigar, era melhor tentar encontrar uma solução.
- E se eu não ficasse sozinha? E se eu chamasse a Nick?
Pedro demorou a responder.
– Não sei não, Léo...


– Me dê um voto de confiança... Você conhece a Nick... Talvez ela seja ainda mais chata do que você! – Impliquei ao mesmo tempo em que me debrucei para acariciar-lhe os cabelos da nuca. – Eu juro que te ligo se sentir qualquer coisa...
– E... Procura seu pai! – Completou enfático, mas deixando transparecer que concordara.


Meus argumentos estavam bem embasados e Pedro não teve alternativa. Nicole apenas sugeriu que eu fosse para lá ao invés d’ela vir. Alegou que precisaria usar o atelier, pois teria alguns projetos para completar, e seu material estaria mais a mão.
– Você não está grávida, está Léo? – Perguntou ao telefone, quando contei-lhe o motivo de Pedro não querer me deixar sozinha.


– Não acredito que você está me fazendo essa pergunta também, Nick! Já não basta o meu pai?!
– Ah, Léo! Sei que você não é nenhuma desavisada, mas acidentes acontecem... O que é que você tem afinal?


– Só devo saber semana que vem, quando saírem os resultados dos exames que fiz... Mas eu estou me sentindo bem, é tudo exagero do Pedro, não é possível que nem você acredite em mim!
– Claro que acredito, amiga. Estou te esperando aqui pela manhã então. Você vem de carro?


– Ele faz questão de me levar – respondi com impaciência –, ele não me quer mesmo dirigindo sozinha por aí, mas... Qualquer coisa você me empresta o seu, né? Não quero bater boca com o Pedro...
– Hã?! – Exclamou Nicole, mais de troça que de espanto. – Você não quer discutir com o Pedro?! Eu estou escutando bem?


– Ah, Nick... – Suspirei. – Eu tenho tanta coisa pra te contar, mas não por telefone...

Pude imaginar o sorriso de satisfação que surgiu no rosto de minha amiga, mesmo sem poder vê-la. Ela sempre me conheceu melhor que eu mesma. Talvez ela até já soubesse o que eu tinha para lhe contar.
– Tudo bem, Léo... Eu consigo esperar...


Na primeira hora da manhã de sábado meu irmão parava sua picape em frente à casa de minha melhor amiga.
– Eu ligo pra você hoje, depois do treino. Tente atender o celular!

Eu fiz uma careta.


Eu tentaria me defender se ele não me calasse, ao se inclinar por cima de mim e selar minha boca com a sua. Quando eu me encontro assim, em seus braços, é impossível pensar em qualquer coisa.


Assim que pisei na sacada, Nicole abriu a porta. Neto estava saindo ainda com a cara amarrotada de quem pouco dormira aquela noite. Mesmo assim, abriu seu conhecido sorriso simpático ao me cumprimentar
– Bom dia, Leozinha!
– Bom dia, Neto... Poxa, perdeu uma carona, Pedro acabou de me deixar... Se eu soubesse que estava aí, tinha pedido pra ele esperar.


– Ah, tudo bem, eu tô de carro... – Respondeu antes de virar-se para Nicole. – Amor, tô de volta amanhã à noite. Venho direto pra cá, tá?
– Estarei te esperando. Fecha o gol por mim, ok? – Pediu jocosa.


Neto concordou com um meneio. Nicole já estava pendurada em seu pescoço com as pernas cruzadas nas suas costas na altura da cintura.
– Te amo, T! – Disse enchendo Neto de beijos pelo rosto e pescoço.
– Eu também, G... – Ele respondeu envergonhado, provavelmente por conta da minha presença ali. – Errr... Eu... Preciso ir...


Assim que seu namorado nos deixou, Nicole me encarou com um sorriso de canto galhofeiro.
– O que está acontecendo, Dona Léo? Apesar dos seus desmaios, suas bochechas parecem mais coradas e seu olhar está mais brilhante...
– Eu disse que não estou doente! As pessoas se preocupam demais! – Respondi com um falso tom casual.


– As pessoas? Que pessoas? Eu não estou preocupada... – Nicole revidou no mesmo nível.
Eu ri, mas permaneci calada de propósito, enquanto entrávamos. Queria testar até quando ela conseguiria controlar a ansiedade, apesar d’ela desconfiar de uma parte da história. Eu também tinha quase certeza de que não seria por muito tempo.


Dito e feito. Não demorou um minuto inteiro.
– Ok, Léo, quer me matar de curiosidade? Que grande amiga você é!
– Por que não fala o que está pensando, então? – Sorri.


Nicole avançou para mim fazendo-me cócegas.
– Eu não posso acreditar que você finalmente conseguiu entender! O que foi que Pedro fez? Socou essa sua cabeça dura com as luvas de Box?

Ela estava realmente muito entusiasmada.


– Parece que a única cega era mesmo eu, não é? Penélope, Zeca, você... Era tão explícito que até o Eduardo já tinha insinuado alguma coisa. Eu fui horrível!
Nicole sentiu minha frustração e tomou um ar de seriedade.
– É... Pode ser que tenha sido... É fácil para quem está de fora julgar. Eu conheço você o suficiente para saber que você sempre quis o melhor para o seu irmão, assim como pra mim, e para quem ama. E não tenho nenhuma dúvida que Pedro pensa a mesma coisa.


Ela fez uma pausa para respirar e então readquiriu o tom brincalhão:
– Mas, por favor, não me torture mais! Preciso saber como tudo isso aconteceu!
– Ah, Nick! Aconteceram tantas coisas esses dias!


Nicole compreendeu que havia muito mais para ser dito. Solícita, tentou parecer menos ansiosa:
– Hummm...  Assim... Eu vou fazer uma coisinha para a gente comer e você me conta tudo, desde o início, tá bem?


Fomos até a cozinha e enquanto ela preparava alguns sanduíches, eu comecei minha narrativa desde o meu último almoço com Yuri. Contei-lhe sobre a conversa que tive com ele com o cuidado de não revelar na íntegra as coisas que ele me segredara. Justamente por ser Nicole, não acredito que se chatearia comigo se eu falasse, mesmo assim, não me sentia no direito de revelar seu desabafo.


Acomodadas na sala de jantar, falei sobre o beijo que roubei, sobre como eu havia agido por impulso e sem controle, sem pensar em nada, nem mesmo em Ariel. Esperava por uma repreensão de Nicole, afinal ele é seu primo e é casado. Eu não tive uma oportunidade de conversar direito com meu professor sobre o assunto e ainda tinha receio de encará-lo. Mas minha amiga me tranquilizou.


– Léo! Você fala como se a pessoa casada nessa história fosse você! Deixa eu te contar uma novidade, o Yuri é maior de idade e vacinado. Tem alguns anos de experiência em relacionamentos na sua frente. Ele não é uma vítima inocente do seu “poder de sedução”. Eu amo meu primo, mas sinceramente... Ele precisa ajeitar a vida dele! Como ele vai conseguir ser feliz, se só se preocupa com o bem estar alheio?


Percebendo meu mal estar com tudo que eu havia confessado, Nicole emendou:
– Léo... Eu notei você diferente desde que ouvi sua voz ao telefone. Você tem noção de há quanto tempo, torço pro Pedro conseguir penetrar essa armadura que você veste? Se ele de fato conseguiu esse feito eu preciso que você me conte! Como foi? Ele se declarou? Assim, do nada?
– Na verdade, foi a Penélope quem me falou.


O rosto de Nicole ganhou uma expressão de perplexidade.
– É... Eu não esperava e não foi um momento agradável... – Continuei. – Ela me acusou de coisas horríveis. Mas se eu for ver sob a ótica dela, ela tinha razão. Pelo menos parecia acreditar piamente no que dizia.
– Mesmo que acreditasse, ela não tinha esse direito. Eu sou sua amiga, mesmo assim nunca me meti nesse assunto. Tá, soltei algumas indiretas, mas enfim... Isso era da conta de Pedro e não dela.


– Eu só lembro que fiquei muito chocada, e acho que isso me fez desmaiar e... Não me tire como uma maluca pelo que vou te contar, mas... Lembra daquele pesadelo, que volta e meia eu tinha, mas nunca conseguia recordar o conteúdo ao acordar assustada?
– Sim, eu lembro... Você me falou sobre isso há muito tempo...


– Pois é... Eu tive o mesmo pesadelo de novo quando desmaiei. Só que desta vez ele não esmaeceu. Eu estava boiando de bruços em uma piscina. Não conseguia me mexer e nem respirar!
– Caramba, Léo! Que horror! Melhor era que você acordasse inconsciente disso, mesmo!


– Nick... Acontece que não foi só isso. Antes de acordar, eu... Eu... – Tentava não parecer hesitante. Entretanto, não sabia como Nicole encararia aquilo. – Eu estive com a minha mãe...
– Mas... Como?! – Sua expressão se tornou mais grave.


– Não sei explicar. Ela apareceu quando pensei que estava me afogando, me encorajou, e disse com outras palavras o mesmo que você está me dizendo agora... Só que não parecia sonho, eu a vi, falei com ela... Mais do que isso, eu senti quando ela me tocou.
– Provavelmente era ela... Ou a sua alma... Ou a parte dela que está em você. Seja o que for, o importante é ter vindo para o bem. Não foi assim que se sentiu?


Como responder, se nem eu mesma tinha certeza?
– Nick... Pedro passou no teste... Aquele de Desiderata, você sabia?
– Não, Léo... Eu não sabia... Ele não me contou, e se contou ao Neto, ele soube guardar o segredo do amigo. Mas não posso nem te dizer que estou surpresa...


– Está vendo? Penélope tem motivos de sobra para me odiar!
– Pode ser, e daí? Continua errada em ter se metido onde não foi chamada...


– Fala isso porque é minha amiga, e não dela...
– Não! Falo isso porque estou de fora e vendo com isenção. Vamos lá... Eu quero saber da parte boa agora, Léo... Conte-me tudo, não me esconda nada! – Exigiu, retirando os pratos da mesa.


Continuamos a conversa na cozinha enquanto eu a ajudava com a louça. Descrevi para minha amiga tudo que conseguia me lembrar, com as riquezas de detalhes que ela desejava ouvir. Era incrível que conseguíssemos falar de nossas intimidades com tamanho despudor.


Nicole estava tão eufórica com a novidade que não cabia em si.
– Ai, amiga... Estou tão feliz por vocês... Eu imagino a felicidade do Pedro... Bem, ele deve estar frustrado por ter que viajar agora, mas... Meu pressentimento é de que ele já te fisgou. – Tentei retrucar, mas minha amiga não deixou. – Escuta, Léo... Vou precisar dar um pulo no atelier depois do almoço, coisa rápida. – Então, mudou de tom e de assunto, sem nem ao menos tomar fôlego. – Promete pra mim que se sentir qualquer coisa você me liga?


Eu revirei os olhos, entediada.
– Ai, meu Deus! Eu estou ótima! Quantas vezes preciso repetir? Esse excesso de cuidado às vezes faz com que eu me sinta uma imprestável!
– Tá legal! Não tá mais aqui quem falou! – Disse deixando a cozinha.


A conversa rendeu toda a manhã, e assim que Nicole saiu, logo após o almoço, eu fiquei entediada. O papo com ela era sempre muito divertido, por mais lições que ele gostasse de me dar. Como disse que não demoraria, joguei-me no sofá e zapeei o controle da TV em busca de algo que pudesse me distrair, mas não tive tempo de escolher um canal, pois ouvi o toque da campainha.


Intrigada, levantei para atender. Não havia dado tempo de Nicole ir até o atelier e voltado, por mais ligeiro que fosse. Abri a porta já resmungando:
– O que foi, Nick? Esqueceu as chaves?

Porém, era Yuri, trazendo Ariel montada em suas costas, quem estava parado ali, na sacada da varanda.


Foi a pequena quem me cumprimentou primeiro.
– Tia Léo! – Exclamou, esticando os bracinhos para que eu a pegasse.
Meu professor sorriu.
– Hey, Léo... Não sabia que estava por aqui.


– Ah! Errr... Olá, vocês! – Respondi sem jeito. O olhar de Yuri encontrou o meu, deixando-me confortável para receber Ariel. – História longa... Vim passar o fim de semana com a Nick...
– E ela... Não tá por aí, não?


– Ela deu um pulo no atelier... Mas avisou que não ia demorar. – Apertei Ariel e beijei-lhe a bochecha. – Tudo bem com você, baixinha?
– Acho que vou esperar por ela então, se você não se incomoda...


Apesar de não ser a minha casa, convidei-o a entrar, e ele fechou a porta atrás de si.
– Sabe, foi uma boa coincidência você estar aqui hoje. Eu estava mesmo querendo te encontrar, mas não queria te pressionar...


Não consegui dizer nada, apenas traguei saliva. Yuri sorriu compreensivo.
– Tudo bem se não quiser falar. Eu também não preciso ficar. O que vim falar com Nicole pode ficar pra outro dia...
– Ah... Não... Yuri... – Pronunciei cada palavra com dificuldade. – Está... Tudo bem.


Não era exatamente verdade, e eu temia pela conversa. Mas Ariel nos interrompeu com uma frase que apenas seu pai conseguiu compreender. Ele foi até o aparelho de TV e colocou um DVD para passar. A menina se sacudiu em meu colo para que a colocasse no chão e eu a atendi, embora não tivesse vontade alguma de soltá-la.


Ela ficou envolvida e animada com o programa. Eu e Yuri nos afastamos um pouco.
– Ela é tão cativante... Entendo que queira aproveitar cada segundo ao seu lado.
Repentinamente, Yuri assumiu um tom mais sério e introduziu o assunto que desejava:
– Eu falei com a Sônia. Vamos ter uma conversa definitiva.


Por um momento eu entrei em pânico. Na minha cabeça só vinha o beijo que eu havia lhe dado. Senti o chão me faltar e para minha sorte o sofá se encontrava atrás de mim. Sentei-me e Yuri agachou-se ao meu lado, apreensivo.
– Léo... Está passando mal? O que você tem?
– Eu... Só... Fiquei um pouco tonta...


Meu professor sentou-se ao meu lado.
– Lembra da Ângela, a recreadora da baixinha? – Eu sinalizei que sim, com a cabeça, e ele prosseguiu. – Então... Tivemos aquela reunião que ela e a psicóloga pediram, e bem... Elas disseram que Ariel tem ficado mais introspectiva e se isolado das outras crianças, e que seus desenhos estavam retratando as pessoas cada vez mais distantes. Isso só pode ser reflexo do que ela presencia em casa. Eu não posso deixar que meus problemas com a Sônia interfiram desta forma em seu desenvolvimento.


Eu lamentei por Ariel, mas estava aliviada por acreditar que seu problema na escolinha fosse o principal estímulo do meu professor.
– Desculpe ter sido uma idiota, Yuri. Eu não tinha o direito... Ainda mais naquele momento.
– Não se preocupe, Léo. Não tem nada a ver com você... Quer dizer, claro que tem, mas... Como posso fazer você entender que não é a responsável? Apesar de você ter contribuído ao despertar em mim a esperança de que eu posso ser feliz outra vez...


Então eu realmente havia provocado alguma coisa? Meu coração voltou a acelerar e eu senti falta de ar, porém, respirei fundo e levantei. Simplesmente não poderia olhar-lhe no olho ao confessar:
– Estou apaixonada pelo meu irmão! – E dita desta forma, a frase também não soou nada normal.
– Ah... – Yuri soltou uma exclamação, completamente desconsertado.


Meu professor pôs-se de pé ao meu lado. Porque a presença dele sempre me abalava daquela forma? Seus dedos tocaram meu rosto com delicadeza, provavelmente desejando que eu o encarasse, ainda assim não consegui.
– A sua sinceridade sempre me surpreende... Mas, por favor, fique tranquila... Não sou ingênuo a ponto de definir minha vida em função de em um beijo, Léo...


 Talvez essa afirmação servisse para ele, mas não para mim. Seria porque eu nunca me dei oportunidade de viver um amor de verdade, que meu coração agora quisesse ir à forra?
– Não sei dizer o que sinto por você, Yuri. Você me confunde. – Além de sentir-me bem ao seu lado, ele ainda possui essa beleza infinita. O que Deus estava pensando quando o criou?


Yuri baixou a cabeça, pesaroso.
– Perdão, Léo. Nunca foi minha intenção... Quando Nicole me contou a seu respeito, eu nunca pensei me envolver tanto... Apenas desejava fazer você se encontrar... Mas você se mostrou tão especial... Eu acho melhor eu ir embora... Só estou te perturbando mais, mas faça um imenso favor pra mim, pare de se culpar.


– Por favor, fique! – Eu quase implorei me jogando contra seu peito. Yuri me abraçou e não consegui mais conter meu choro.

Apesar de acreditar não ser o nosso momento, não posso imaginar perder o laço que possuo com ele. Não quero. Seria crueldade minha? Ou só egoísmo?
– Ah, Léo! Está tudo bem...


Ele deixou que eu encharcasse sua T-shirt com minhas lágrimas até que elas se esgotassem e disse apenas aquela frase durante todo esse tempo. Eu chorava baixo para não chamar a atenção de Ariel, e isso fazia com que meus olhos ardessem ainda mais.


Somente quando me afastei e sequei o rosto com as mãos, ele voltou a falar:
– Sabia que a Joelma pergunta sempre por você?

Talvez fosse verdade, talvez não. Eu tinha certeza que Yuri só tentava mudar o assunto por desejar ver meu sorriso, ao invés da minha dor. Seja como for, ele conseguiu.


Quando Nicole voltou, eu já estava recomposta, ainda que não totalmente recuperada daquela conversa. Eu tinha certeza que ela sentiu o clima, mesmo mostrando-se surpresa ao nos encontrar conversando no sofá da sala. Ariel estava aboletada em meu colo, já havia se cansado da TV.
– Yuri! Que bom encontrar vocês por aqui!


Apesar de cumprimentar o primo, foi à pequena que se dirigiu, quando largou tudo que segurava e pegou a menina do meu colo, afagando-a com carinho.
– “Ô tavo cum sodade”! – Ariel pronunciou, em seu idioma.
– Coisa mais fofa! Está cada vez mais bonita, como pode?


– Ela puxou a prima... – Yuri respondeu sorrindo.
– Rá! – Exclamou Nicole. – Como se você e Sônia já não fossem lindos de dar inveja!

Eu não poderia discordar da minha amiga.


– A baixinha hoje acordou com a corda toda, dizendo que queria ver “a pima Niquê”. – Yuri imitou sua pronúncia. – Pensei em darmos um passeio pelo Jardim Botânico, ou Zoológico... Mas pelo visto...
– Ah, Yuri... – Havia uma frustração na voz de Nicole ao responder. – Não vou poder. Estou cheia de trabalhos da “facul” pra fazer!


– Sem problemas... Pelo menos ela te viu, e ainda de quebra, matou a saudade da “tia Léo”...

Eu agradeci internamente que ele não me fizesse o convite. Meu professor sabia que eu me martirizaria por ter que declinar em prol da minha sanidade.


Ao me despedir, abracei Ariel como se fosse a última vez, embora desejasse do fundo da alma que não.
– Tia Léo te ama, Ariel...
– “Aliel” também “ti” ama, tia Léo! – A menina respondeu.


– Você vai escolher alguma coisa pra ver, ou está apenas tentando queimar a TV?

Nicole perguntou depois de perder a paciência com a minha mão apertando freneticamente os botões do controle remoto da TV. Ela estava sentada à mesa tentando se concentrar nas suas tarefas e nem percebi o que eu estava fazendo.


– O quê? – Questionei sem noção.
– Quê que vocês dois conversaram pra você ficar desse jeito, heim?


– Jeito?! Que jeito? – Estranhei.
– Você está tensa, Léo, tô até com medo de chegar perto de você e tomar um choque.


Deixei o sofá e sentei-me ao lado de Nicole.
– Acha que podemos gostar de duas pessoas ao mesmo tempo?
Embora não estivesse comendo nem bebendo nada, minha amiga engasgou.
– Bom... Nunca aconteceu comigo, mas... Sei lá... Impossível não deve ser... Você está gostando do Yuri também? – Perguntou receosa.


– Quem não gosta do seu primo? Mas o tipo de “gostar” é que eu não consigo classificar... Ele me transmite tanta coisa! E eu sinto que sou uma pessoa melhor quando estou com Yuri...
– E com Pedro, não? – Indagou.


– É diferente... Eu posso ser qualquer coisa com o Pedro. Eu não sinto vergonha... Eu posso ser o que eu quiser ou o que ele quiser que eu seja. Não importa, porque eu continuo sendo eu mesma, e é fantástico.
– Porque ele te conhece inteira, Léo...


– Mas o Yuri parece saber muito sobre mim, pra quem me conheceu outro dia...
– É... Ele é muito parecido comigo neste aspecto. Observador e intuitivo. Pena que não use isso em seu próprio benefício.


– Ele... Disse que ia ter uma conversa definitiva com a Sônia... Fale com ele, Nick... Tenho certeza que ele vai se abrir com você... Eu preciso ficar tranquila quanto a isso! Que ele vai ter uma pessoa em quem confie pra conversar...
– Iiiiih, Léo! Que papo brabo é esse, heim?


– Nada... É só... Uma preocupação boba, mas...
– Léeeeeeo... Eu te conheço...

Meu iphone soou e vibrou em cima da mesa de centro, me salvando de ter que improvisar alguma explicação.


Corri para atender feliz acreditando ser Pedro, sem nem perceber que o dia não terminara e talvez ele ainda estivesse em campo. A voz de Tatá tinha um tom quase histérico.
– Eu juro que tentei me controlar, Loira, mas não deu! Você já tinha me avisado das suas faltas, mas... Hoje chegou aos meus ouvidos uma fofoca master sobre sua saúde! Assim eu morro, Léo! Onde você está?


– Na casa da Nick, e estou bem. Pare de acreditar em tudo que ouve. Principalmente a meu respeito.
– Me fala onde é. To indo pr’aí.


– Rá! Se eu não sei que você está só inventando desculpa pra eu te apresentar a Nicole! – Duvidei.
Minha amiga desligou-se de sua tarefa à menção de seu nome, e sorriu ao entender do que se tratava.
– Que belo juízo você faz de mim, heim? – Eu tenho certeza que ele fez um beicinho.


– Não dramatiza, Tatá...
– É sim... Olha bem quem é que tá falando em drama...


Não percebi a aproximação sorrateira de Nicole que tomou o celular da minha mão antes que eu pudesse responder.
– Tadeu? É a Nick, tudo bem? Eu e Léo vamos abrir um vinho mais tarde e faço questão da sua companhia... Anota aí o endereço...

Eu olhava boquiaberta com a atitude de minha amiga enquanto ela terminava de combinar o programa com Tatá.


Ao mesmo tempo em que ela encerrava a ligação, imaginei a cara de choque do Tatá do outro lado da linha, e isso me fez gargalhar.
– O quê? Só porque você é antipática? Não quero ficar mal na fita com seus amigos... Já me basta aquela Augusta que me olha torto...


Engoli o riso.
– A Guta não é minha amiga, e é uma invejosa! O Tatá não! Você vai adorá-lo... Mas faça um esforço pra não ser muito legal, porque eu juro que nunca mais olho na sua cara, se ele gostar mais de você do que de mim! – Brinquei, embora, admito, com uma pitada de ciúmes.

É fácil demais amar Nicole.


Tatá chegou pontualmente no horário combinado, e eu era capaz de jurar que ele estava emocionado quando abri a porta e se jogou em cima de mim.
– Léo! Você está mesmo bem?
– É claro que eu estou, seu maluco! Não está vendo?


– É que... – Vacilou. – Aquele povo é tão ruim de coração, Loira...
– Diga logo, Tatá... O que andam falando de mim?


– Deixa pra lá. Você já me provou que é mentira mesmo! Não importa...
– Você veio até aqui. Agora você vai me dizer, Tadeu Flores!


– Ah, Léo... – Ele titubeou novamente e eu franzi a sobrancelha. – Tá bom! Até com Aids espalharam que você estava! Pronto falei!

Estranhamente aquilo não me abalou como de costume, eu não estava mais preocupada com a minha reputação, apenas me perguntei o que levaria uma pessoa a inventar esse tipo boato.


Meu silêncio diante da notícia fez meu amigo se antecipar e me abraçar, menos enérgico e mais carinhoso.
– Hey, Loira, sabe de uma coisa? O que os outros falam de você, mostra muito mais o que eles são, do que o que você realmente é... Vamos lá tomar aquele vinho, que a Nix separou.


Quando nos desfizemos do abraço, tentei descontrair:
– Nix?! O quê é isso? Só porque falou 2 segundos no telefone com ela já te se achando íntimo, é?
– Ô, Léo... Já disse que não precisa ficar com ciúmes! Você é insubstituível... – Ele fez cara de descaso.

– Boa noite! – Cumprimentou Nicole surgindo do quarto.


Tatá se adiantou para cumprimentá-la.
– Errr... Oi, Nicole! Eu sou o Tatá, amigo da Léo e... Sou seu fã!
– Fã? – Ela repetiu confusa.


– Ah! Eu sempre quis te conhecer pessoalmente. Além do que a Léo fala, eu já tinha te visto acompanhando um jogo ou outro do Neto. Mas de perto, sua beleza ainda é mais estarrecedora! – Então ele se retraiu, provavelmente achando-se inconveniente. – Desculpe.

Nicole sorriu tão graciosa e grata que eu tive vontade de esmurrá-la. Não era justo, eu havia pedido a ela!


– Tatá é exagerado! Eu também não falo taaaaanto assim de você!
– Ela está morrendo de ciúmes. – A afirmação de Tatá apenas contribuiu para o aumento da minha irritação.
– Bom... Porque vocês não se acomodam enquanto eu vou pegar o vinho? – Sugeriu Nicole. – Querem beliscar alguma coisa? Posso preparar um tira-gosto...


Eu não estava com fome. Nem com vontade comer.
– Vou te ajudar, mulheres não se dão muito bem com saca-rolhas... – Meu amigo ofereceu-se.
– Aceito sua gentileza, Tatá, mas decerto está enganado a meu respeito. Eu abro melhor as garrafas do que o Neto.


Nicole se dirigiu a cozinha e Tadeu a seguiu.
– Ele deveria fazer um curso... Não é gentil nem romântico ele deixar você servir o vinho.
– Você está me paquerando, Tatá?


Tadeu estacou ao ouvir a pergunta. Se não estivesse de costas para mim, eu diria que ele corou.
– Não se assuste, estou brincando... É só mesmo pra implicar com a Léo... – Nicole completou ainda caminhando. – Você vem ou não?

Concluí que era melhor deixar para enforcá-la quando Tatá fosse embora. Assim não haveria testemunha.


Joguei-me no sofá com vergonha do meu comportamento. Como eu podia ser tão ciumenta? Eram meus dois melhores amigos, se entendendo tão bem que eu deveria estar grata. Eu precisava mesmo ser o centro da atenção de todos ao meu redor? Por que ser a preferida tinha tanta importância, se eu continuava sendo querida da mesma forma? Meu telefone vibrou e tocou novamente em cima da mesa de centro, interrompendo meu questionamento.



7 comentários:

  1. Queridos,
    Dividi esse capítulo em 2 partes por ele possuir mais de 200 fotos. Além de ficar pesado para algumas conexões, acaba sendo cansativo de ler.
    Farei o mesmo com o próximo, sendo assim, 2 capítulos em 4 publicações.

    Obrigada pela compreensão!

    ..: Bjks :..

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  2. Foi neste capítulo que notei: O Yuri e a Léo são levados um de encontro ao outro... E por isso acho que deveriam ir fundo nisso... O.o

    Tatá, Léo e Nick juntos?! huasuashuashuashuashuashuash

    AMO!
    bjosmil! *.*

    PS: Fica melhor assim mesmo, por que demora pra abrir todas as fotos quando tem 100, imagine com 200?! O.o

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  3. Nesse?! O.o
    Juraqva que tinha sido naquele em que a Léo briga com o Pedro e vai parar na pracinha. Yuri a encontra lá e leva pra casa do Olívio... HOHOHO, então foi bem antes do que eu pensei! =3

    É... não gosto de separar e deixar 2 títulos iguais, mas... Não tem muito jeito não...

    Obrigada, amore!

    ..: Bjks :..

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  4. Naquele da pracinha eu assumi e me rendi, pois prefiro mil vezes o Pedro! .-.
    Mas nesta comecei a notar que... AFF!!!!
    Percebo que a Léo não tem um sapato só que cabe no seu pé... Acho que pra ela existem vários. Enquanto para uns não existe nenhum! ÇÇ

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  5. Garota de sorte! XD
    Não sei qual a probabilidade de isso acontecer na vida real! .-.
    Acho que sempre existe pelo menos um, mas às vezes a gente nem se dá conta quando está diante dele... '-'

    ..: Bjks :..

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  6. Acho que na verdade nem existe isso de um ser perfeito pra ninguém. Acho que alguns se adaptam melhor a viver a dois que outros, ou se acomodam melhor com um que com outro.
    Alguns vieram aqui pra fazer uma família, casar e ter filhos. Outros para aprender a se encontrar no mundo de outra forma.

    bjosmil! *.*

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