quinta-feira, 30 de setembro de 2010

VI – Yuri


Eu estava com uma preguiça absurda. E pra falar a verdade sem vontade alguma de assistir aula. Toda segunda feira deveria ser feriado. Como podemos nos divertir satisfatoriamente no fim de semana se precisamos ter energia e disposição pra estudar no dia seguinte?




Eu ainda não tinha decorado minha grade de matérias. Dificilmente conseguiria até o fim do semestre, uma vez que não era uma frequentadora assídua. Consultei meus horários, apenas para me certificar que o dia seria uma chatice só.




David me abraçou assim que cheguei ao saguão.
– Bom dia, loira! Que surpresa você por aqui... – Ele ironizou.
– É... Eu não tinha nada mais interessante...




Quando me preparei para entrar na sala, reparei um amontoado de alunas em uma conversação incessante e atravancando a passagem. Era tão irritante ter que pedir licença e se esfregar naquele bando de mulheres para poder passar.
– Mas o que é que elas estão fazendo ali, heim? – Perguntei.




David olhou para o aglomerado e viu a quem eu me referia. Augusta e Geórgia participavam do falatório na porta da sala.
– É ele! – Ouvi a voz de Tatá ao meu lado, me fazendo dar um pulo.



 
– Ai, garoto! Que susto que você me deu! Ele quem?
– O novo professor de sociologia, ué? Quem mais?

“Ah, o primo da Nicole!” Lembrei-me.




– Você já viu?
– Claro, né, Léo? Imagina se eu não ia matar minha curiosidade com tanta mulher cercando o cara.



 
– Ai, mas que droga... Tatá, vai lá, vai! Faz aquele povo sair da frente antes que eu desista de assistir aula!
– Meu Deus, Léo... É só pedir licença e passar...




Eu dei de ombros:
– Eu não! Ele vai ter que entrar pra dar aula mesmo! Vou esperar a muvuca dissipar...

 


Não precisei esperar muito. Mal David tinha partido pra sua aula, as meninas começaram a desfazer o amontoado da porta e caminhar para a sala. Foi então que pude vê-lo.




Era algo mesmo de se admirar. Apesar dos traços retos e viris de seu rosto, e dos seus lábios generosamente carnudos, tinha um ar angelical, talvez pelos cabelos loiros que lhe caiam pelos ombros ou por conta de seus olhos cor de esmeralda.
 


 
Yuri olho pra mim e sorriu. Reconheci nele o jeito “Tedesco” de Nicole, e sorri de volta, no mesmo momento em que ouvi Tadeu suspirar.
– Oh, “my God”! Ele tá sorrindo pra você,Léo...
– Isso é porque eu acho que ele sabe quem sou eu, não faça escândalo, por favor, heim? – Eu disse entre dentes, antes de caminhar em direção a sala.




– Nossa, você é tão pop, amiga! – Tadeu exclamou baixo e eufórico ao me seguir.
– É eu sei, mas não é nada disso, Tatá! Ele é primo da Nicole... Ela deve ter falado pra ele que seria meu professor.




– Sabia que reconheceria você, Léo... Nicole me deu uma descrição perfeita! – Ele disse de forma simpática quando me aproximei. – Mesmo assim olhei seu facebook, tenho que confessar. Eu não queria começar cometendo uma gafe. Mas não conte a ela.
Eu sorri:
– Pode deixar.




– Obrigado. – Ele então se dirigiu ao Tadeu. – Prazer sou Yuri, seu novo professor de Sociologia, tudo bem? Como se chama?
– T-T-T-adeu... – Gaguejou. – Mas todo mundo me chama de Tatá.



 
– Então... Vocês gostam da matéria?
– Pra falar a verdade... Não... – Respondi sinceramente, antes que Tadeu soltasse um sonoro “adoraaaaaamos”. – Não consigo nem entender porque esta matéria faz parte do curso de Medicina.



 
– Certo! Então, “dona” Léo e “seu” Tadeu, vamos entrar, que eu vou me esforçar o máximo pra tentar explicar...



 
Estava difícil prestar alguma atenção com Augusta, Geórgia e até Tadeu fofocando sem parar. Não que o assunto me interessasse, mas eu não gostaria de passar nenhuma impressão ruim pro primo da Nicole.
– Será que vocês podem calar a boca um pouquinho? Não consigo escutar nada!



 
– Nossa! Até você, interessada, Léo? Pensei que nada chegasse à altura do seu namorado... – Augusta falou com deboche, e minha vontade foi virar a mão não cara dela.
– Meu interesse não é o mesmo de vocês...



 
– Ah não é, não? Agora você gosta de Sociologia? Quer dizer... Agora você gosta de alguma matéria?
– Não, tontinha! – Tadeu respondeu por mim. – O professor é primo da Nicole...



 
– Eu não ia poder ter um primo destes! Seria deserdada com certeza! – Disse Geórgia.
– Gente, olha o mico que vai ser ele chamar atenção da gente! Calem a boca!



 
Augusta Respondeu:
– Não me incomodo. Se for pra ele me dirigir a palavra, pode até me xingar!
– É... Pedro ia adorar ouvir você falando isso!



 
– Seu irmão não me dá valor nenhum! Nem olhou pra minha cara depois do jogo! E olha que dormimos juntos na véspera!
Resolvi não responder, embora um simples “você que não se dá valor” pudesse resolver a questão.



 
Voltei minha atenção novamente para a aula. Yuri andava de um lado pra outro enquanto lecionava. Parecia estar contando uma história, ou ensaiando um monólogo. Às vezes parava, apontava pra algum aluno pedindo uma resposta e sorria, tivesse este acertado ou errado o que ele perguntou.



 
Ao fim da aula, ele veio novamente falar comigo.
– Então, acha que gosta um pouco mais de sociologia agora?

Sinceramente eu não me lembrava de absolutamente nada que ele havia falado, mas contei cada suspiro dado por cada um de suas alunas durante aquela uma hora e meia.



 
Diante de meu silêncio, ele concluiu.
– Ok, prometo que na próxima, vou me esforçar mais.











quarta-feira, 29 de setembro de 2010

V – Penélope


Zeca é amigo de Pedro desde antes de ele fazer parte da minha vida. Sempre juntos na mesma classe, sempre alunos obedientes e aplicados. Penélope era quase um ano mais velha, e portanto estava uma séria mais avançada. Numa idade em que meninos hostilizavam meninas e vice-versa, Pêpa mostrou-se uma amiga incomum. 




Na adolescência, eu apenas a suportava, mas não posso dizer que não gosto dela. Se fosse para avaliar todas as candidatas a namorada de Pedro, ela seria a opção menos pior. Por outro lado, ela nunca gostou de mim. No fundo eu sabia o motivo. Ela não aturava ver seu amigo se curvando às minhas vontades, e isso acontecia desde sempre.




Certa vez, após eu interromper quatro vezes uma reunião de estudos para pedir alguma coisa que nem consigo me lembrar, ela teve a audácia de entrar no meu quarto para tirar satisfações.
– Você não merece o irmão que tem, guria! – Urrou sem perder a pose. Porque ela tinha que ser tão bonita?




– Só porque você queria ele pra você? – Provoquei.
– Ele seria mais feliz se fosse meu irmão com certeza, Léo! 




– Ah, irmão?! Sei... – Duvidei.
– Não vê o que está fazendo com a cabeça do garoto? Como pode ser tão egoísta!




Aquilo me tirou do sério. Eu sei que gosto de mimo e atenção, mas egoísta é um exagero! Tudo que ganho, não me importo em compartilhar. Não quero louros só para mim. Sempre socorri meus amigos quando precisaram.




– Quem você pensa que é para entrar no meu quarto me agredindo desta forma? – Perguntei em tom ameaçador antes de gritar: – Pedrooooooooooo!
– Você é tão covarde... – Ela disse baixinho e rangendo os dentes.




Pedro entrou ofegante e assustado.
– O que aconteceu?!
– Será que pode controlar um pouco mais seus convidados? Eu estou ocupada aqui.




Eu o deixei constrangido. Ele não esperava encontrar Penélope no meu quarto.
– Porque você sempre faz tudo que ela quer? – Penélope perguntou a ele com um tom de desconsolo em sua voz.
– Eu... Pensei que fosse uma barata ou algo assim... – Respondeu envergonhado.




Pêpa baixou a cabeça e saiu. Pedro me encarou. Tive ódio dela por me fazer sentir raiva de mim mesma, e mais ainda por me fazer sentir pena de Pedro.
– Desculpe. – Pedi quase sussurrando. Não queria que ela ouvisse.




Pedro virou de costas e caminhou em direção a porta em silêncio.
Eu me postei em sua frente, impedindo-o de sair.
– Você não me respondeu.
– Não há o que se desculpar. Pode me dar licença? Eu preciso terminar de estudar.




Eu me pendurei em seu pescoço.
– Por favor, Pedro...
– Já disse, não tem motivo pra isso! Deixa eu passar...




– Você está chateado comigo.
– Não, não estou, Léo, mas vou acabar ficando se você não me deixar sair...




– Jura? – Tentei olhar nos seus olhos, mas ele desviou.
– Juro, mas também juro que preciso passar. – Eu não posso afirmar que ele estava sendo sincero.




Minha mente voltou ao presente para inventar uma desculpa a David. Caminhei displicente em direção ao grupo que conversava com Pedro. Durante todo o percurso, os olhos verdes de Penélope me acompanharam.




– O pessoal está marcando de se encontrar no clube... Vamos? – O convite, a princípio, foi só para Pedro.
– Obrigado, mas não, Léo... Eu já marquei outra coisa.




Agora era o momento de estender a cortesia. Mas que ficasse claro que estavam condicionados:
– Seus amigos também podem ir...
Penélope não deixou Pedro recusar novamente:
– Nós já temos programa, Léo, você não entendeu? Eu esperava um pouco mais de você...




Eu virei pra ela, já pensando em como irritá-la. O top mínimo que estava usando já seria suficiente:
– Olá, Penélope, está tudo bem com você? Vejo que esqueceu sua blusa em casa...

Pensei que ela voaria no meu pescoço, mas ela tinha tanta classe! Que ódio!
– Foi seu irmão que me deu...




– Estava mal intencionado logo com a melhor amiga da Luli, irmãozinho? Não acredito!!! – Certo, eu peguei pesado, mas foi ela quem pediu.
– Léo, não é o David ali acenando pra você? – Pedro perguntou encerrando o princípio de bate-boca.




Virei para olhar e comprovar que era verdade. Porque ele não vinha até aqui? Afinal, Pedro era seu amigo, droga! Resolvi atender antes que ele começasse a me gritar.
– Salvo pelo gongo! – Exclamei antes de sair sorrindo.




– Own, David! – Gemi, enquanto me aconchegava em seu peito. – Menos de um minuto e você já sente minha falta?
– Não me provoque loira, marcamos no clube com a galera...




– Amor, não precisamos demorar no clube... – Eu cheguei bem pertinho de seus ouvidos para concluir: – Acho que Pedro não vai pra casa... Está disponível inteirinha só pra gente...




David me levantou. Eu me sentia tão leve quando ele fazia isso!
– Gata, me aguarde, você sabe como fico quando você me provoca...

Enquanto ouvia sua declaração, percebi pelo canto da vista, que nem Pedro nem Penélope tiravam os olhos de mim.



terça-feira, 28 de setembro de 2010

IV – David


– Boa sorte, amor! – Desejei ao beijar meu namorado.

Era só um amistoso, mas para David, era sempre caso de vida ou morte.







– Vai assistir da arquibancada hoje, gata?
– Ah, não, amor... Sabe que o sol arruína a minha pele, não sabe? 







– Mas faz bem para os ossos! Você podia ter trazido protetor e um chapéu.
– Não achei nenhum que combinasse com minha roupa... Sabe que só me cuido por sua causa, não sabe? – Não era exatamente verdade. Eu gostava muito de me sentir bonita e desejada. Mas ele também sabia e aceitava meus caprichos.







Desta vez, só estava um pouco mais insistente:
– A Nick sempre fica nas cadeiras mais próximas vibrando com o Neto...

Eu detestei que fizesse isso. Não gosto de ser comparada. Mas gosto menos ainda de discutir com David diante de alguma platéia.
– Amor, estarei vibrando, pode apostar... Sentadinha no bar... Se eu gostasse de suar, seria líder de torcida...







Assisti a primeira metade do jogo no fresquinho que o ar-condicionado proporcionava às instalações internas do estádio, acompanhada de Augusta e Tatá. Geórgia chegou no início do segundo tempo.
– Ual, que máximo ficou seu cabelo, Gê! – Elogiei com sinceridade.







– Achou mesmo? – perguntou insegura.
Geórgia é negra e está sempre travando uma luta com seu cabelo. Eu já cansei de dizer pra ela que o melhor é assumir os cachos e cuidar deles, fazer tranças ou dreads. Fica muito mais bonito e natural do que fazer alisamentos que parecem mais perucas enormes e cafonas.
– Claro, querida! Sente-se.







– E aí? Quanto tá esse jogo? – Ela perguntou se ajeitando na cadeira.
– Zero a zero... – Respondeu Tatá com descaso. Muito provavelmente ele gostava tanto de futebol como nós.







Mas eu precisava marcar minha presença, como namorada do capitão do time. Tatá e Geórgia estavam lá para me fazer companhia, e Augusta... Eu não faço idéia. Talvez ela achasse que desfilar com o Pedro iria lhe dar algum status. Se bem que em dias de jogo, ele mal lhe dava atenção.






David é atacante. Sem falsa modéstia, é um dos melhores em sua posição. Não que eu entenda muita coisa de futebol. Mas lia os artigos, precisava me manter sempre interada sobre tudo, muito embora minha popularidade muitas vezes fizesse isso sozinha.






Juntos, éramos o casal mais conhecido da UFEB, apesar d’eu ainda ser uma caloura. Começamos a namorar antes mesmo do meu ingresso na faculdade. Ironicamente, foi Pedro quem me apresentou David, na primeira vez que o levou na casa de papai.






David disse que se apaixonou por mim no segundo em que me viu, e colocou na sua cabeça que me conquistaria. Ele não teve muita dificuldade, pois fiquei empolgadíssima com aquele tom chocolate de sua pele, e pela forma atlética que seu corpo exibia mesmo coberto de roupas.






Em menos de uma semana estávamos juntos. Ele sempre era romântico e atencioso, então eu não me incomodava que ele me exibisse no Campus como um de seus troféus.






Além do mais, nossos corpos se encaixavam tão perfeitamente que era difícil me concentrar quando ele se apresentava em trajes menores ao meu lado. Que bom que o uniforme do time não era nada atrativo.






– Nossa, que chato, heim! – Exclamou Geórgia, desculpando-se logo em seguida. – Sorry, amiga... Só venho por sua causa...
– Eu sei. Só estou aqui porque preciso afastar as moscas de cima do meu namorado.







– Por falar em moscas... – Disse Guta, observando as cheerleaders que passaram em direção ao bar. – Essa ruiva não me desce na garganta! Vive se pendurando no Pedro...

Bem, não era só ela, e não era só com o Pedro. Mas deixei pra lá. Meu problema mesmo era com a morena, que estava sempre rondando o David.







– Poxa, Léo... Seu namorado é um Deus e faz tudo por você! Você devia dar mais importância pras coisas que ele gosta também. – Tadeu falou consternado.
– Tatá, sério! – Eu respondi convicta. – Esse tipo de observação pega mal...







– Credo! Desculpe, Léo... Não mais aqui quem falou, tá? – Disse afetado.

Tatá ainda era virgem aos 19 anos. Isso não é muito normal. No fundo acho que ele ainda não tinha decidido qual a sua preferência.







Quando o jogo terminou eu fiz uma careta e enfrentei o sol, para encontrar meu namorado no gramado.
– Você foi perfeito, como sempre, David!
– Nós perdemos de dois a zero, Léo!

Oops!







– Ah, então a culpa é do Neto! Ele que é o goleiro!
David bufou:
– Você não entende nada de futebol, né, minha loira?







– Ei! Não coloque a culpa no meu namorado, não! – Reclamou Nicole em tom de brincadeira... – Gente, foi só um amistoso, não é o fim do mundo!

Mas para David parecia.







Pedro passou por nós, mas não parou. Por um momento quase não resisti à tentação de olhar para a expressão de Augusta. Mas fiquei com medo de rir, então procurei saber mirar para onde estava se dirigindo.






Primeiro identifiquei o Zeca, de braços abertos para receber o amigo num abraço consolador. Atrás dele, sua irmã, Penélope, ou Pêpa, como Pedro sempre a chamou. Eu a encarei. Ela me encarou de volta. Agora tinha certeza de seu segredo.