quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

XXXII - Revelações

Desliguei o telefone, chocada. Não dava para acreditar que fosse apenas um trote. Provavelmente alguém presenciara meu ato inconsequente, mas foi tão rápido e tão... Implacável. De fato, o que fiz não foi correto e então, não havia escapatória, era hora de encarar o olhar de reprovação de Pedro, mas não podia mais adiar aquela conversa.


Voltei a pegar no aparelho e liguei para o meu irmão, mas como eu já previa, seu iphone deveria estar jogado na mochila, dentro do vestiário, pois ele não atendeu. E apesar de toda a urgência do assunto, eu também não queria correr o risco de ir até o campo para encontrá-lo enroscado na tal Letícia.


Passei aquele resto de tarde lendo e estudando para passar o tempo, mas ele teimava em se arrastar, e eu acabei pegando no sono. Acordei quando o sol acabava de se esconder, escutando o barulho do chuveiro. Pedro já estava em casa.


Invadi o banheiro sem bater.
– Pedro! Preciso falar com você...
– Eu também quero falar com você! Mas não dava pra esperar eu acabar de tomar minha ducha? – Respondeu por trás da cortina.


– Falar comigo? Falar o quê? – Eu gelei. Já teriam contado a ele? Mas sua voz não estava agressiva.
– Posso terminar aqui?


Eu assenti com a cabeça embora ele não pudesse ver. Mas nem conseguia sair do lugar de tão nervosa e ansiosa que estava. Não demorou muito para Pedro fechar a torneira e água parar de cair.
– Léo! – Ele exclamou procurando se cobrir ao abrir a cortina e constatar que eu não havia saído. – O que está fazendo aí ainda?!
– Eu... Eu... – Não conseguia completar a frase e fiz um esforço enorme para não olhar o que Pedro tentava esconder com as mãos, mas falhei.


– Dá pra pelo menos pegar a toalha pra mim, pastel? – Ele perguntou sorrindo malandramente, ao perceber minha paralisia, e não se preocupou em tampar mais nada.

Estava grata por ele fingir não ficar constrangido. Eu não sabia onde enfiar minha cara.


Entreguei-lhe a toalha que ele envolveu em sua cintura antes de voltar a falar:
– Eu... Estava pensando em te chamar pra jantar... Se você não tiver outra programação, é claro...

Eu não entendi.
– Jantar? Quer dizer, jantar, jantar? Num restaurante?


– É! Não poderia ser jantar almoço, ou jantar café da manhã, né, Léo? É jantar jantar. – Ironizou notando meu embaraço.

Mas não era de se estranhar. Nós dois quase não saíamos juntos. Só quando ainda morávamos com papai, e então ele e Dora iam com a gente. Jantar com Pedro, normalmente era algo rápido e gostoso que ele mesmo preparava.


– Não fica me olhando com essa cara! Quer fazer eu me sentir pior por nunca ter feito um convite destes?

Esse não era o problema. Não fazia sentido toda aquela cerimônia apenas para ele me dar um sermão.


– Então sai logo pra eu poder tomar um banho! – Resolvi usar sua tática.
– Ué, por quê? Você ficou aí durante o meu! – Tá, ele era muito melhor nisso.


Fiz uma careta, ele deu outro sorriso malandro, já de saída...
– Você não vai demorar muito não, né? Você tem aula e eu tenho treino amanhã cedo...
– Depende! Se vai ficar aí reclamando...


Pedro dirigia com atenção e eu o admirava calada no banco do carona ao mesmo tempo em que matutava o motivo dele estar tão arrumado e perfumado pela segunda vez aqueles dias.


Apesar da impressão de “déjà vu”, estava em outro restaurante, com outra pessoa. Pedro estava tão bonito e sorridente... Estávamos dispersivos, cada um parecia evitar iniciar o diálogo e eu ainda não conseguia acreditar que já tivessem contado para ele, ainda mais pela mesma pessoa que me ofendera ao telefone. Alguém mais teria visto?


Não aguentando mais esperar, eu chamei seu nome ao mesmo tempo em que ele chamou o meu. Ele fez um trejeito – como quem diz ”primeiro as damas” – e para variar eu disse da única forma que conseguia:
– Eu beijei o Yuri! – Pronunciei a frase tão rápido que parecia uma palavra só, fiquei em dúvida se ele entenderia.


O sorriso dele murchou instantaneamente, dando lugar a uma expressão de perplexidade. Alguns segundos se passaram com minha respiração em suspenso antes dele resolver falar alguma coisa:
– Você está apaixonada pelo seu professor, Léo?


– Não! – Respondi sem refletir. – Quer dizer, eu acho que não!
– Acha?


– É que... Ele me confunde, Pedro...
Levantei a cabeça e encarei meu irmão. Sua feição não era de censura como eu estava esperando, e sim de decepção.
– Ele é... Casado... – Não era a primeira vez que Pedro me falava isso.


– Ele não é feliz...
– Continua sendo casado! E... Ele é seu professor... Olha, Leó... Acho que tá tudo errado nessa história, mas quem sou eu pra achar alguma coisa, não é mesmo?


– Você reclamou que eu parei de conversar com você... Que eu não contava mais nada. Agora que eu me abri, você fala assim comigo?
Meu irmão suspirou, parecendo concordar.
– Se acha que não está apaixonada por ele, porque o beijou?


– Não sei direito... Nós passamos o dia conversando, ele me contou sobre sua vida, e quando nos despedimos, eu... Ah, Pedro! Você é apaixonado por toda piriguete que você beija?
– Você podia ter um pouco de respeito, sabia?


– Eu?! Você acha normal ficar se agarrando com a Luli na frente da psicopata da Penélope, sabendo que é a melhor amiga dela e completamente louca por você! E eu que preciso ter respeito, Pedro?!
– Eu e Pêpa, somos amigos, você sabe! Ela sabe...


– Ah, ela sabe? E acha normal? Pois bem, ela acha tão normal que virou a mão na minha cara quando eu lhe disse isso! Porque nunca deu uma chance a ela, Pedro?
– Não estávamos falando de Penélope...


– Você não acha que ela só se submete a essa humilhação, porque prefere que você não se afaste? Você não acha que, no fundo... Ela não cultiva alguma esperança de um dia... Você a olhar diferente? Você querer ela de outro jeito?
– Ela me prometeu que não.


– Ah, e você acreditou, é claro! – Zombei.

Pedro ficou visivelmente desolado. Eu nem me importava tanto assim com Penélope, que espécie de monstro eu era? Virei o jogo para cima dele para quê? Para eu não ter que me explicar?


– Desculpe... – Pedi. Mas colocando-me no lugar dele, estaria cansada de me desculpar.
– Tudo bem... Vou pedir a conta.


Ficou evidente que meu irmão acabou não me dizendo o que desejava quando me propôs o jantar. Aliás nem chegamos a fazer os pedidos. Pagamos pelo vinho e voltamos para casa em absoluto silêncio. Desejei ter o poder de ler seus pensamentos.


– Não me odeie, Pedro... – Eu pedi, sem conseguir encará-lo.
– Nem mesmo se eu quisesse, Léo... – Ele respondeu antes de bater a porta de seu quarto.


Havia dezenas de ligações perdidas no meu iphone, a maioria de Tatá. Antes que eu pudesse retornar alguma, o aparelho tocou me fazendo pular com o susto. Número restrito. Receei atender, pensando se tratar de outro trote, mas não poderia viver com medo do meu celular.
– Alô.


– Léo? – A voz de Yuri tinha o mesmo tom tranquilo de algumas horas atrás. Eu permaneci muda, absorta. Ele então emendou: – Eu peguei seu telefone com a Nicole... É que você esqueceu sua pasta no meu carro, e eu não sei se você vai precisar dela. Mas não quis aparecer aí sem avisar... Desta vez.

Sim. Eu só podia ser uma completa imbecil.


– Yuri, eu...
Ele pressentiu que eu tentaria me desculpar outra vez, e me interrompeu:
– Escuta, Léo... Pare de preocupar. Comigo, com você. Com você quando está comigo... Achei que me abrindo, esclareceria as coisas pra você, mas vejo que acabei te confundindo ainda mais.


Eu não estava preparada para ter mais aquela conversa. Não naquele dia que teimava em não terminar.
– Posso pegar amanhã.
– Não tenho certeza se você vai estar na minha aula amanhã, mas tudo bem, eu levo. – Ele parou para inspirar, e antes que eu pudesse falar, acrescentou: – Isso não é uma cobrança. Aliás, me desculpe por isso, eu fui um chato insistente e tolo.


Não era verdade. Apesar dos meus temores, eu não me sentia mal ao lado de Yuri. Ele, com seus conceitos, pensamentos e ações, me fazia refletir sobre coisas tão fundamentais, que não compreendo como nunca havia parado para pensar antes. Levou-me a um mundo que, apesar de sabê-lo, eu até então havia optado por ignorar a existência. E eu lhe dei tão pouca oportunidade, faltando suas aulas com minhas desculpas infantis.


– Eu estarei lá... Obrigada por tudo, Yuri. Eu que peço desculpas por não ter maturidade suficiente para alcançar tudo que você me oferece. Por favor, me dê mais uma chance, prometo me esforçar mais. – E me despedi: – Até amanhã...
– Até, Léo...


Cumpri o que prometi, e entrei na sala no momento em que Tatá apagava alguma coisa no quadro negro. Alguns alunos olharam para mim, outros cochicharam. Àquela altura, eu já devia ter passado de ré a condenada. Nem imaginava quem poderia ter me flagrado, mas com certeza não devia ter guardado só para si.


Quando Tatá sentou-se ao meu lado, eu perguntei o que haviam escrito.
– Esqueça essa bobagem! Além do mais, o desenho não fazia jus a sua beleza, Léo... – Respondeu-me.

Nunca, nem se eu vivesse 100 anos, conseguiria retribuir ao meu amigo, tudo que ele faz por mim.


Yuri entrou um tempo depois, pedindo desculpas por seu atraso. Colocou a pasta em cima da minha mesa com seu sorriso e piscou. Depois, sem ligar para os olhares interrogativos de sua turma, seguiu para frente da sala. Eu invejava a naturalidade com que ele conseguia encarar tudo.


Yuri deu sua aula da mesma forma como as poucas a que assisti. E, ao final, novamente sem se importar com o murmurinho ao seu redor, ele voltou a minha mesa.
– Fico feliz que tenha repensado... – Ele sorriu mais uma vez. – Sabe, Léo, eu também repensei muitas coisas, e ainda estou refletindo outras tantas... Obrigado por me emprestar seu tempo, seu ouvido, seu ombro. Acho que eu... Precisava falar.


Eu poderia jurar que ouvi alguém sussurrar “não foi exatamente o ombro”, mas também poderia ser fruto da minha imaginação dolosa. Yuri não se abalou e isso me deixou mais otimista:
– Eu não fiz nada, realmente. – Confesso que cheguei a vasculhar meu cérebro a procura da justificativa para afirmação do meu professor, mas só me lembrava mesmo de ter roubado-lhe um beijo.


Meu professor suspirou antes de falar:
– Você é tão confiante para determinadas coisas, Léo... No entanto, para outras... Bom... Eu tenho outra aula agora... Ah! – Exclamou, parecendo lembrar-se de algo. – Joelma te mandou um beijo!
– Joelma?! Quem é Joelma?


– A garota que você enfeitou... Sabe, ela é a filha mais nova entre oito irmãos homens. Gostou muito de ter alguém que a tratasse como uma menina, para variar...
– Ah... Joelma era seu nome? – E eu reclamando do meu. Bem, eu poderia chamá-la de Jô...


Mas o que é que eu estava dizendo! Nem sabia se a veria outra vez. Deixei transparecer uma careta estúpida, e Tatá interrompeu.
– Vamos, Léo, temos aula de laboratório...

Minha sorte é que nem Guta, nem Geórgia ousavam me perguntar nada a respeito de Yuri.


Após as aulas da manhã, eu, Tatá e as meninas caminhávamos pelas calçadas do Campus em direção ao Bumper para almoçar. Mas uma cena em uma das praças pelo caminho me fez parar. Penélope parecia discutir acintosamente com meu irmão. Gritava e gesticulava com raiva.


Eu não podia escutar o conteúdo daquela distância, o que me dava uma agonia imensa, mesmo assim não consegui disfarçar uma satisfação delinquente. O que será que Pedro aprontara desta vez para deixá-la tão furiosa? Ela costumava ter tanta condescendência com meu irmão. Nenhum dos dois percebeu nossa presença.


Augusta não parou de confabular sobre o caso um só minuto durante todo o almoço. Embora sua voz afetada fosse irritante, não pude deixar de me deliciar sobre algumas de suas teorias, como a de que Pedro tinha finalmente se livrado de um possível feitiço que a bruxa da Penélope havia lhe lançado.


Passamos a tarde toda na biblioteca. Precisávamos fechar a apresentação de um seminário para a matéria de Biologia Molecular, e é claro que eu não estava nem um pouco interessada. Em uma das vezes que olhei ao redor em busca de algo que amenizasse meu tédio, reparei que Zeca estava sentado em um canto, estudando.


Pedi licença e levantei.
– Ah, não vai não, senhora! – Respondeu Tatá, impaciente. – Precisamos resolver quem vai falar sobre o quê!
– Não vou demorar! Mas se preferirem, basta que me deem o que eu preciso decorar. Isso eu sei fazer sem traumas.


Disse e saí sem dar margem para réplicas. Devo ter deixado Augusta bastante aborrecida, mas me lixei.
– Oi, Zeca! – Cumprimentei-o cordial e singelamente, como se fosse costume. – Posso dar uma palavrinha com você?


A primeira reação de Zeca foi de espanto, e não poderia ser outra.
– Err... Pode... – Ele respondeu vacilante. – Mas não sei se posso te ajudar, Léo...
– Não preciso da sua ajuda, Zeca... Na verdade estou curiosa, mas sei que nem tenho o direito de perguntar nada...


Apesar d’ele não oferecer – pelo susto, não por descortesia –, puxei uma cadeira e sentei-me ao seu lado.
– É que eu esbarrei em Fernanda no banheiro logo depois que vocês discutiram... No domingo passado e... Não estamos acostumados a ver você por aí perdendo a cabeça, bem diferente da sua irmã...


– Certas coisas não têm muita explicação, eu acho... Acontecem por conta do momento. Porque isso mexeu com você a ponto de vir falar comigo?
– Porque Fernanda estava inconsolável... Mas não permitiu minha aproximação...


– Você também não faz o tipo “menina prestativa”, né, Léo?
– É... Nunca fiz mesmo. Só não entendo como uma garota tão descolada e independente como ela, ficou abalada daquela forma...


– Eu fui... – Zeca parou e suspirou antes de continuar. – Duro demais com ela...
É claro que eu me surpreendi.
– Você?! – Exclamei.


Eu não quis desdenhar, mas acho que foi isso que pareceu.
– Terminamos? Matei sua curiosidade?
– Desculpa, Zeca... Não é isso... Eu te acho tão...


– Inexpressivo? – Ele completou em forma de pergunta. Não era isso que eu ia dizer, embora pensasse que sim.
– Tranquilo, na verdade...


– Bem... Está enganada de qualquer forma... Em relação a mim, e em relação a Fefê. – Então despejou, de repente. – Ela é frágil e manipulável... Faz todo aquele estilo apenas para esconder a garota carente e insegura que ela é. Eu fui grosseiro, mas não disse nada que ela não precisasse ouvir. No fim, fiz igual à com quem ela está acostumada a lidar...

Senti sua recusa em pronunciar o nome de Eduardo. Além disso, havia muito pesar e um discreto rancor em sua voz.


– Já falou pra Fefê que gosta dela, Zeca? – Disparei.
– Não vou ter essa conversa com você, Léo... Ah, não vou não! O que você entende de sentimentos?

Que diabos Zeca queria dizer com aquilo?


– Não me olhe com essa cara! – Continuou Zeca, ao perceber minha feição. – Você pode não saber muito sobre mim, mas eu sei mais sobre você do que supõe. E normalmente em duas versões, não é?

Era do meu conhecimento que ele era o melhor amigo de Pedro e irmão de Penélope, e pelo visto ambos conversavam com Zeca a meu respeito.


Aproveitei a deixa e indaguei.
– É... Pode ser que faça sentido... Aliás, os dois estavam discutindo antes do almoço em plena praça... – Larguei a frase no ar com intenção de pescar alguma informação.
– Isso tem se tornado bem rotineiro... Principalmente depois dele... – Zeca fez uma pausa refletiva – Deixa pra lá! Não tenho que me meter nisso, não tenho mesmo! Porque não pergunta pro seu irmão, Léo? Ele sabe melhor que eu.


Voltei para o meu grupo, mais intrigada do que quando os deixei. Não só por não descobrir qual era a realidade do triângulo Zeca, Fefê e Doda, mas também por deixar claro que Zeca escondia alguma coisa sobre Pedro e Penélope. Ou ele se referia ao tapa que sua irmã havia me dado? Eu tinha certeza que a relação deles não seria mais a mesma depois disso.


Procurei abstrair o assunto, pois Tatá já me chamava à realidade:
– Dá pra você prestar só um tiquinho de atenção aqui, loira? Aceitamos você no nosso grupo, mas queremos mesmo esses pontos da apresentação já que a prova estava dificílima e todo mundo se deu mal! Se você não tá nem aí, pode pedir pra sair...
– Me desculpe, Tatá... Pode falar, eu estou ouvindo. – Ele tinha razão, não havia o quê contestar.


Eu absorvi a matéria contra a minha vontade e quando terminamos, Tadeu dispensou as meninas alegando que me levaria até em casa. Eu sabia o que ele queria.
– Mentira! – Ele parou para exclamar num grito afetado, em algum lugar no meio do caminho. – To laranja neon, loira! Não creio que fez mesmo isso! Achei que era pura fantasia daquele povo invejoso.

Eu havia acabado de narrar a parte da história em que agarrei meu professor.


– É, mas eu fiz e não me orgulho, então pode tirar esse sorriso do rosto!
– Ah, Léo... Não posso evitar! Embora morra de ciúmes de você... Que fique bem claro que eu morro mesmo... Não posso deixar de achar que vocês ficam tão bonitinhos juntos...


– Se você conhecesse a Sônia, ia achá-los um casal perfeito.
– É, mas pelo visto não são! Então vê se permite um pouco, Léo! Credo!


O Céu estava lindo. O tempo limpo, sem uma nuvem no céu, nos presenteava com uma noite repleta de estrelas, quando chegamos à entrada da minha casa. Dei um beijo no rosto do meu amigo, antes de me despedir.
– Boa noite, Tatá... Obrigada por tudo! Mais uma vez...
– Eu te adoro, Léo. Quando será que você vai entender isso?


Já entrei procurando pelo meu irmão, para tentar esclarecer as dúvidas que ficaram na minha cabeça após a visão de sua discussão com Penélope e a minha conversa com seu melhor amigo. Por isso, fui direto para o seu quarto, mas ele não se encontrava ali.


No momento em que estava me virando para sair, um vulto no jardim atraiu meu olhar. Caminhei até a janela que me proporcionara a sensação de ter visto alguém ali junto a piscina. Penélope estava sentada no ladrilho frio abraçada às próprias pernas numa posição quase fetal.


Entendia que ela devia estar ali por causa da briga que tivera com Pedro, mesmo assim pensei ser muita ousadia. Saí ao seu encontro não sem antes acender as luzes do quintal para que não fosse pega de surpresa. E como previ, Penélope já estava de pé para me receber quando a avistei.


– Está perdida? Ou você é apenas muito cara de pau?! – Admito, não tinha mais paciência alguma com aquela garota.
– Escuta, guria... Eu não estou num dia bom... – Ela retrucou. – Então, faça um favor para nós duas, e finja que não me viu.


– Você não deve estar mesmo bem! Se ainda não reparou... Você está na minha casa! – A minha última frase já saiu um tom mais alto e agudo, e isso por si só, deveria ser um aviso para eu parar. Definitivamente, odeio barracos.
– Estou no quintal! – Gritou. – E é a casa do Pedro também! Se ninguém te avisou... Ele é meu melhor amigo!


– Ah, é mesmo? – Duvidei. – Ainda é? Não parecia hoje mais ce...
– Léo! – Ela me interrompeu, e me encarou com seriedade. – Não me provoque falando do que não sabe! Não deu muito certo da última vez...


– É realmente muita audácia da sua parte vir até a minha casa me ameaçar... Mas porque eu estou surpresa, se não é a primeira vez que você se mostra a pessoa mais atrevida e mal educada do planeta?
– Se liga, menininha! O mundo não gira em torno do seu umbigo, apesar de você achar que sim...


– Você deveria aprender a controlar mais sua inveja e seus ciúmes, sabe? Se bem que... Não vai adiantar, não é? No fundo, você sabe que Pedro NUNCA – eu frisei – vai te olhar da maneira que você deseja! Eu não entendo porque se sujeita a certas coisas se humilhando dessa forma...


A expressão de Penélope se transformou numa careta furiosa. Seu olhar fuzilou o meu antes dela despejar toda sua ira sobre mim.
– Como você ousa? Você é a criatura mais nociva que eu já conheci em toda a minha vida! Não consigo classificar o que você provoca em seu irmão então não venha julgar meu comportamento, sua vagabunda!


O tom e a forma que Penélope usou para me insultar, me fez relembrar o telefonema.
– Foi você! – Acusei-a. – Porque disfarçou a voz? Não é mulher para assumir suas baixarias?
– Até parece! Fiquei tão atordoada vendo aquilo, que não sabia o que fazer com a informação! Eu estava vindo encontrar Pedro, numa última tentativa de evitar que ele fizesse a bobagem que pretendia... E me deparei com aquela cena! Você é uma cadela, Léo! Não respeita nem os caras com quem dorme!


Eu não conseguia e nem pretendia entender por que um beijo que eu dera em meu professor havia ofendido tanto uma pessoa como ela, que se lixava para mim.
– Porque passou a se importar com a minha vida, garota? O que é que te atinge com quem eu durmo ou deixo de dormir?
– Não atinge a mim, idiota! Você é estúpida, ou ardilosa? Desculpe, não consigo acreditar na sua inocência, Leandra...


Eu fermentava de ódio. Inclusive porque estava realmente me achando estúpida por não compreender o raciocínio de Penélope. Notando minha expressão, ela ponderou, embora com sarcasmo:
– Será que eu estou enganada? Será que você realmente não compreende o quão nociva você é para o seu irmão? Que você não usa os sentimentos dele em seu favor, para conseguir tudo que quer, sem piedade, sem querer saber como ele se sente com isso tudo? Você é a cocaína do Pedro, Léo! Está matando ele aos poucos!


Sim. Sabia o quanto era difícil meu irmão me dizer não. E lancei mão disso uma infinidade de vezes, mas eu nunca havia pedido nada que fosse um sacrifício, não que eu me lembrasse. Meus neurônios não paravam de buscar informações no passado, enquanto Penélope prosseguia em seu discurso inflamado, transbordado de rancor, ciúmes e ira.


– Tem idéia do sonho que ele afogou, única e exclusivamente por SUA causa? Não é possível que só você não enxergue que o amor que ele sente transcende o de um irmão dedicado e carinhoso. Tem alguma idéia de em quantos pedaços meu coração se partiu quando Pedro confessou para mim que MENTIU sobre o seu teste em Desiderata? Ele passou, mas não aceitou a vaga só por que não consegue ficar longe de você!


Tentei sorver o ar, mas não consegui. Alguma coisa desceu antes pela minha garganta inundando meus pulmões. Por algum motivo eu não podia mexer meus braços nem minhas pernas. Mas pude abrir os olhos.

Azul. E cintilante. Então eu merecia, afinal. Que espécie de indivíduo eu era? Capaz de destruir os sonhos de uma das pessoas que eu mais amo no mundo.

Era um bem que meu coração parasse então.


Gradativamente o fundo da piscina, que refletia o brilho das estrelas daquela noite, deu lugar a um espaço branco reluzente.
– Não é o momento, Léo. Não deseje isso.

Minha mãe parecia um anjo. Com sua voz delicada, sua beleza infinita e o olhar intenso de ternura. Era um alívio que eu pudesse ouvi-la desta vez.


– Aqui... Escute... – Completou tocando meu peito na altura do coração. – Está ouvindo?
Eu estava. Ele batia numa aceleração absurda. Eu não saberia dizer se pela iminência da morte, ou pela emoção do encontro.
– Porque ele fez isso, mãe? Porque ele abriu mão do seu maior sonho? Eu não posso carregar essa culpa.


– E nem precisa. Talvez seja um grande sonho de Pedro, mas se fosse o maior, ele não teria voltado, Léo. Pense...
– Eu... Não posso corresponder, mãe... Não consigo! Eu vi o que papai passou quando perdeu você. Pensei que perderia ele também! Ninguém deveria passar por isso!


– Não tema, querida... Pergunte para ele... Pergunte ao seu pai...
A imagem de minha mãe embaçava gradativamente e sua voz se distanciava como se tivesse embarcado em algum trem que partia.


– Espera, mãe!!! Perguntar o quê? Mãe! Mãe! – Berrei em desespero.
Eu já não conseguia mais vê-la. Apenas escutei um quase sussurro.
– Se valeu à pena, florzinha...


O ar entrou de súbito pela minha traquéia e eu engasguei. Mas voltei a respirar. Sentia a paralisia momentânea deixando meu corpo, mais demorada do que eu gostaria, ao mesmo tempo em que um novo cenário se formava a minha frente. Eu estava de volta ao jardim, amparada pelos braços de meu irmão, mas não estava com frio, nem estava encharcada, como presumia.
– Pedro...


Ele me puxou de encontro a seu peito.
– Léo... – Chamou-me sereno, embora sua voz estivesse embargada.
– Eu... Acho que me lembrei...

O velho pesadelo, aquele que, desde a infância, me fazia acordar assustada de madrugada, estava agora muito claro para mim.


– Lembrou do quê? Você apagou no meio de uma discussão com a Pêpa... Vou falar com seu pai amanhã de manhã, você precisa para de me dar sustos assim, Léo!
– Eu não caí de verdade na piscina, não é?


Levantei meu rosto até então acomodado em seu colo. O olhar do meu irmão estava vidrado, ele parecia tentar, a todo custo, não perder o controle.
– Do que você está falando, Léo? – Abraçou-me mais forte. – A Pêpa jurou que você não bateu com a cabeça, mas...
– Está tudo bem. – Eu o interrompi, ainda o encarando. – Pedro...


Se eu apenas tivesse aberto uma fresta da janela do meu coração, ou se eu apenas o tivesse observado com mais atenção, eu teria percebido o óbvio em seus olhos cor de mel. Com receio de sentir a mesma dor que testemunhei em meu pai, eu havia optado por não enxergar.


Eu estava imóvel apenas admirando seus traços tão caprichosamente desenhados.
– O que foi? – Ele perguntou confuso.
– Eu juro que não tinha consciência... Eu só entendi agora...


– Entendeu o...

Não deixei Pedro concluir sua pergunta. Pousei minha mão em suas costas e o puxei para mim. Encostei suavemente meus lábios nos dele. Ele entendeu e aceitou meu convite. Não foi exatamente uma surpresa para mim que o gosto do seu beijo estivesse ainda melhor do que aquele primeiro, que eu experimentara em minha em minha adolescência.


As batidas do meu coração aumentaram seu ritmo de maneira agradável na medida em que minha boca buscava a dele ainda um tanto tímida pela surpresa. Aos poucos, Pedro foi deixando seus músculos relaxarem com exceção de sua língua que parecia não querer mais abandonar a minha.


Senti sua resistência ao parar e afastar-se o mínimo necessário para conseguir dizer:
– Eu amo você, Léo. Desde sempre.

Eu tinha um monte de coisas para lhe falar e outra infinidade de perguntas para lhe fazer. Mas naquele momento eu só queria mesmo ficar abraçada a ele, ouvindo sua respiração.


– Você me ajuda? Preciso ter certeza da sua disposição para quebrar a casca de um coração tão endurecida há tanto tempo.
– Não tem problema... Lembra? Eu luto Box... – Sorriu.


Eu perdi as contas de quantas vezes fiz sexo de excelente qualidade assim como perdi as contas de quantas vezes havia fugido para cama de Pedro, com medo do meu pesadelo. Aquela era a primeira vez que ele experimentava a minha. Assim como era a primeira vez que eu pude compreender o significado da expressão "fazer amor".


Apesar de toda a minha experiência, a forma como Pedro conduzia tudo, fazia eu me sentir aprendiz. Mesmo nunca tendo me tocado daquela forma, suas mãos e sua boca pareciam conhecer cada milímetro do meu corpo com riqueza de detalhes, e quando juntos atingimos o clímax, eu não sabia mais, que parte do todo era eu e que parte era ele.


Naquela noite, meu irmão adormeceu brincando com os meus cachos. Sua respiração profunda e espaçada no meu colo me trazia paz. Estava tranquilo, eu não parecia tão nociva para ele afinal. Então, que minhas perguntas ficassem um pouco mais para depois.


Pedro não estava mais no quarto quando abri os olhos pela manhã, e eu queria muito que ele estivesse. Não só precisava de mais um abraço seu, como gostaria de passar o dia todo ao seu lado. Ansiava por respostas e ao mesmo tempo, desejava dizer tanta coisa. Queria seu colo, suas palavras e seu afeto.


Levantei-me e cambaleei até o banheiro. Meu desequilíbrio deveria ter inúmeros motivos, porém não queria pensar neles sozinha. Encontrei um bilhete escrito a mão em uma folha arrancada de caderno. Estava preso com durex no armário de porta espelhada junto a uma margarida que julguei ser do nosso jardim.


Retirei a florzinha com cuidado enquanto lia.
“Fui até o campo apenas para pedir dispensa por hoje. Ainda pretendo levá-la ao médico. Por favor, não suma nem faça nenhuma bobagem.
PS: Foi a noite mais perfeita da minha vida. Quando podemos repetir?”


Não sabia que horas Pedro havia saído, porém, pelo bilhete, logo estaria de volta. Desejando estar arrumada e cheirosa para quando ele chegasse, rapidamente coloquei a margarida em um pequeno vaso e tratei de enfiar-me na banheira. Derramei essências, sais e espuma para banho na água quente e relaxei.


A cortina se abriu de repente, fazendo com que eu quase tivesse uma parada cardíaca.
– Podemos dividir esse momento? – Era uma pergunta desnecessária uma vez que Pedro já se encontrava sem roupas e sorria abertamente, consciente da minha resposta.

Tão pouco esperou por alguma.


Com destreza – embora derrubasse uma quantidade considerável de água pelo chão –, ele se acomodou atrás de mim, encaixando-me entre suas pernas.
– Posso ensaboar suas costas? – Perguntou ao entrelaçar suas mãos em minha barriga deixando os polegares encostarem intencional e sutilmente no bojo dos meus seios.

Uma corrente elétrica pareceu iniciar-se em minha coluna vertebral e de imediato refletir-se por todo o resto do meu corpo. Gemi de forma instantânea e involuntária.


– Eu sempre disse que era bom nisso... – Afirmou presunçoso, ao beijar minha nuca. E o pior é que eu não podia contestá-lo.
– Como posso me concentrar em ficar bonita pra você dessa maneira? – Usei um tom casual que certamente soou falso.


– Eu fico lisonjeado, Léo... Mas conheço você do avesso, então não existe maneira de você ficar feia para mim.
– Foi isso o que tentou me dizer? Quando me convidou para jantar? Era uma confissão?


– Quer mesmo ter essa conversa agora? Não sei se vou conseguir manter o clima assim, você sabe o que quero dizer...

Certo. Eu conseguiria segurar a ansiedade por mais meia hora, ou quarenta minutos. Perguntei-me se duas pessoas com libidos tão escandalosamente evidentes como as nossas, poderiam dar certo juntas.


Mas essa questão também podia esperar. Apenas fiz Pedro me prometer não adiar mais aquela conversa quando terminássemos nosso banho. E ele assentiu ao responder-me com um beijo avassalador, e presenteou-me mais uma vez com sua ternura enquanto fazíamos amor.


Eu tinha urgência pelas respostas às minhas perguntas, por isso me recompus muito rápido e invadi o quarto de Pedro, quando ele ainda estava de cuecas, escolhendo o que vestir.
– Está certo... – Deu-se por vencido, sabendo o que eu perguntaria. – Era uma confissão, sim...


Meu irmão largou o guarda-roupa e voltou-se para mim.
– A mesma que fiz ontem à noite, na beira da piscina, e depois de novo, e de novo, no seu ouvido. Eu pretendia fazê-la poucos dias antes, aquele domingo em que te encontrei dormindo no sofá. Como você não atendia o celular, achei que tinha ido encontrar aquele cabeludo novamente... Eu não lembro o nome dele...

Eu tinha certeza que ele estava mentindo só para me provocar.


– Nuno... – Completei, apenas para lhe dar o troco que merecia.
– Qualquer coisa... Não quero saber.

Relevei a postura de Pedro em relação a Nuno. Eu precisava dar foco no que era necessário naquele momento.


– De onde você estava chegando aquela madrugada, então? – Algo me dizia que eu não ia gostar da resposta.
– Fui para república... Enchi os ouvidos do Zeca e da Pêpa com minhas lamentações. Foi quando acabei contando sobre o teste em Desiderata. – Entristeceu-se ao lembrar. – Eu não devia ter dito nada...


– Sua amiga contou pra você tudo que aconteceu ontem, Pedro? Em que momento da história você apareceu?
– Quando eu cheguei, ela estava desesperada tentando te acordar. Nunca pensou que você pudesse desmaiar! Temeu que eu achasse que ela... – Suspirou. – Bem, eu nunca pensaria nada disso... Eu perguntei o que estava acontecendo, e então ela narrou tudo. Acredito que foi sincera, mas estava em pânico e eu pedi que fosse embora.


Eu nunca conseguiria gostar de Penélope, mas senti pena dela, por tudo. Pela sua falta de auto-estima, por sua esperança ilusória, e até mesmo pela minha comiseração. Mas Penélope era a menor das minhas preocupações naquele momento.
– Você não podia abandonar sua carreira assim! Não tinha o direito de fazer isso! Não foi justo, sabia? Nem com você, nem comigo.
– Desculpe, Léo... Fui fraco, eu sei... Fiquei só dois dias naquela cidade, mas pensar na distância tornou minha dor insuportável. Eu adoro meu curso de engenharia, e não preciso largar o futebol amador.


 Olhei no fundo dos olhos embotados de meu irmão e eles eram tristes, porém sinceros. Tomei coragem e perguntei:
– Você acha que existe alguma chance de aceitarem de volta?


– Definitivamente Penélope mentiu sobre você não ter batido com a cabeça, Léo! – Irritou-se.
– Espera, Pedro, escute...


– Não, Léo, escute você! – Ele me interrompeu bruscamente e bastante exaltado. – Isso está totalmente fora de cogitação, entendeu? Deixa eu acabar de me vestir, precisamos ir até a cidade.

Eu não queria nunca mais brigar com Pedro. Poderíamos retomar aquele assunto outra hora.


Deixei-o em seu quarto, peguei minha bolsa e aguardei por meu irmão na sala. Ele não demorou a aparecer. Como eu não havia percebido o homem sedutor que ele é mesmo por trás daquele estilo “largadão” que faz? Até o jeito d’ele me olhar me excita, eu cheguei a esquecer o que queria lhe perguntar.


Pedro me abraçou com força demais.
– Desculpe, não quis se grosseiro. Mas se antes já era difícil, agora é completamente impensável ficar longe de você, Léo.

Não precisaria ser dessa maneira.


– Onde estamos indo? – Lembrei-me da pergunta que queria fazer, quando ele me soltou depois de alguns segundos.
– Para a casa do seu pai... Sei que não é a especialidade dele, mas com certeza pode nos indicar alguém de confiança.


– Eu não estou preparada para contar pro meu pai agora, Pedro... A gente liga e pergunta! Não quero encará-lo, não hoje...
– Olha, Léo... Seu pai me aceitou e me acolheu como um filho, apesar d’eu já ser bem grandinho e estar numa idade complicada quando fui morar com vocês, esconder algo assim dele seria no mínimo uma traição. E contar talvez o faça encarar da mesma forma, e esse sempre foi outro enorme motivo d’eu nunca ter me declarado...


Pedro suspirou antes de continuar.
– Mas estou preocupado demais com a sua saúde pra exigir qualquer coisa de você no momento. Vamos saber o que você tem, depois nos preocupamos com isso, está bem? Além do mais... Acha mesmo que ele não vem correndo para cá se eu contar o que houve por telefone? Você conhece o Dr. Olívio melhor que eu...


O silêncio imperou durante a maior parte do longo caminho até a casa de papai. Eu pude refletir e concluir um monte de coisas enquanto alternava meu olhar entre Pedro e a paisagem. Quanta coisa começava a fazer tanto sentido. Eu agora entendia porque nunca havia encontrado uma mulher que estivesse a altura de Pedro. Mas será que eu conseguiria ser essa mulher?


“Quem ama cuida.” Era uma das frases preferidas de meu pai. Eu tentei cuidar do meu irmão e fui um fiasco.
– Está tudo bem, Léo? – Ele perguntou.
– “Aham”. – Tartamudeei em resposta.


Quantas moscas mortas eu teria que espantar ao seu redor? Quantas “Lulis”, “Letícias”, e “Augustas” irão desejar ainda mais a minha morte? Agora talvez, com requintes de crueldade?
– Por que esta testa franzida, então?
– Só... Estou... Pensando... Em tanta coisa...


Como Penélope e David vão reagir? Não que eu me preocupe com eles, exatamente, mas não desejo ser a causa do afastamento de Pedro das pessoas que ama e preza.
– Chegamos, Léo. Pense só em você agora, tá bom? Concentre-se em detalhar seus sintomas ao seu pai, depois conversamos sobre o que você quiser...


Papai nos recebeu desconfiado, e não era para menos. Aparecermos juntos no meio de um dia da semana sem avisar.
– Aconteceu alguma coisa? – Perguntou olhando para Pedro.

Meu próprio pai confiar mais nas respostas dele do que nas minhas, irrita-me profundamente.


– Olívio, é que a Léo andou passando mal, teve uns desmaios, e...
– Como é que é?! – Papai exclamou exasperado, nem deixando Pedro terminar. – Que tipo de desmaio? Com que frequência? Porque não me falou?


– Hey! Falando assim parece até que foram muitos! – Protestei, embora tivessem sido, se contarmos o curto espaço de tempo entre eles. – Pai, eu tô bem, é sério, devo ter tido uma queda de pressão, ou algo assim. Será que dá pra gente entrar, ou os vizinhos precisam participar disso?


Quase não consegui cumprimentar Dora, com meu pai a todo custo tentando me empurrar escada acima para o seu quarto, a fim de examinar-me o quanto antes. Assim mesmo ainda a ouvi convidar Pedro para fazer-lhe companhia na cozinha enquanto preparava o almoço.


– Você não está grávida, está, Léo?
Ah, não! Esta conversa não!
– Não, pai! Não estou grávida... Eu tomo anticoncepcional... E uso camisinha! E...


– Shhh, shhh, shhh... – Sibilou cortando minha resposta. – Não precisa entrar em detalhes, Leandra!

Era verdade que eu e meu pai nunca conversamos sobre minha vida sexual. Talvez por isso eu sempre tivesse ido procurar a opinião masculina de Pedro, e os conselhos femininos de Dora. Mas me chamar de Leandra foi demais.


– Ai, pai! Que irritante quando você faz isso!
– Deita ali, Léo... – Ordenou, embora com carinho, apontando para sua cama. – Deixa eu dar uma boa olhada em você.


Após 45 minutos de um exame minucioso e uma lista sem tamanho de perguntas – nem todas respondidas com veracidade por mim –, papai concluiu:
– Aparentemente você está saudável, minha filha, mas – e eu sabia que haveria um “mas” – quero que você consulte um especialista. O Santana foi meu colega na UFEB e é um excelente neurologista, além de ter se especializado em psiquiatria também.
– Psiquiatra, pai? Você acha que eu estou maluca?


– Ora, Léo! Nem parece uma estudante de Medicina! Que preconceito descabido é esse? – Papai estranhou enquanto eu me sentava ao seu lado.

Fui tomada de remorso. O que eu estava fazendo naquele curso, afinal? Não suporto o cheiro do éter nem o uniforme horrível das aulas de laboratórios, não consigo sequer chegar perto de um cadáver, que me dirá dissecá-lo. A única química na minha cabeça é a do meu tonalizante capilar.


Se eu for avaliar, só gosto mesmo da aula do Yuri. Meu pai não merecia acreditar que teria uma filha Doutora, porém esse é mais um assunto que prefiro guardar para outra ocasião.
– Eu estava brincando, pai... – Menti.
– Venha cá, meu bem... – Convidou-me, esticando os braços.


E então me aninhou para continuar:
– Eu amo você demais. Trate de se cuidar, está bem? Não posso nem imaginar que algo ruim lhe aconteça.
A frase remeteu-me de volta ao meu sonho, ou devaneio.
– Pai... Eu queria te fazer uma pergunta...


Ele afastou-se um pouco para me encorajar:
– Faça, querida...
– Eu lembro como ficou quando perdemos a mamãe. Lembro do seu estado de torpor, sua mudez e falta de apetite. Lembro dos dias horríveis que passei, separada a força de você, numa colônia de férias para que te cuidassem.


– Ah, filha eu sinto tanto...
– Eu não fiquei magoada pelo camping fora de hora, e sei que fez tudo pra me recompensar depois... Eu só... Queria saber se... Valeu à pena o tempo que tiveram pra ficar juntos, perto de tanta dor e sofrimento...


Papai deitou minha cabeça em seu ombro, antes de me chamar, da mesma forma como apenas mamãe costumava:
– Ô, florzinha! – E me fez um leve cafuné. – Valeu cada minuto. E ela ainda me deixou o melhor presente que eu poderia ganhar.



2 comentários:

  1. FINALMENTE!!!! Estes dois ficam lindos juntos!
    Apesar de tudo... Sempre vale a pena, né?

    AMO!
    bjosmil!*.*

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  2. Sempre, Mita! Tb acho!

    Brigadíssimo!

    ..: Bjks :..

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