sexta-feira, 26 de novembro de 2010

XXVII – DRs

– Vamos dar uma volta? – Meu amigo perguntou fechando meu caderno. – Tomar um sorvete, que tal?
– Hum... – Refleti rapidamente. – Eu não sei não, Tatá... Sorvete engorda...


– Tá, não precisamos comer nada, apenas caminhar, espairecer... Estou entediado! – Reclamou.
– E porque caminhar sem motivos tiraria seu tédio?


– Ok, Léo... Se não está a fim de sair apenas diga... Qual é o seu problema? Porque não tira os olhos da porta do quarto do seu irmão? Se está preocupada com alguma coisa, porque não entra lá e pergunta? Você sempre fez isso, não fez?

Sim, eu estava acostumada a fazer isso. Estava.


– Você acha esquisito mesmo ele não ter passado no teste?
– Achar, eu acho, Léo! Mas... É time grande, não é? Politicagem... Vai entender! Pode ter sido qualquer coisa. Se te aflige, vai lá e pergunta!


– Não vou incomodá-lo. Você deve ter razão... E até que me deu uma vontade de tomar sorvete...

Não era verdade. Apenas consenti porque não me ia fazer nada bem ficar ali esperando meu irmão sair do quarto. E se saísse com a mesma expressão que havia entrado, eu não saberia como agir.


Não sei dizer se era o nível da minha paranóia que havia aumentado consideravelmente, ou se na verdade, eu era novamente o assunto do momento da UFEB. Mas dessa vez sem nenhum glamour. O fato é que todo mundo parecia olhar pra mim, onde quer que eu passasse.


– Ai! Já me arrependi, Tatá! – Reclamei.
– Ignore os invejosos, Léo... Tenho certeza que 99% das alunas de Yuri queriam estar no seu lugar, mesmo sendo só boato.


– Não me compare! – Era para ele saber que detesto este tipo de coisa.
– Tá certo, Diva... A gente pode voltar, você pega o carro e vamos pra cidade... Ah! Podíamos ir ao shopping... Estava bem pensando em ir a um salão... Você não tá a fim de dar uma mudada? Fazer upgrade nesse corte?


– Mas nem pensar, Tatá! Você sabe que ninguém toca no meu cabelo a não ser Jean Pierre e ele está fora fazendo um curso internacional de Hair Design.
Tadeu me parou.
– Nem uma hidratação, uma progressiva?


– Esquece! Ontem eu passei o dia no SPA coma a Nick...
– Isso, Loira, me mata de inveja! Além do mais, era uma oportunidade de você me apresentar sua amiga!


– Era programa de menina, conversa de menina, Tatá, entenda...
Meu amigo, sempre alegre e risonho perdeu o humor.
– Eu não me importaria! Eu gosto de SPA, e gosto de conversa de menina! Que mal há nisso?


– Ah, Tatá! – Eu o abracei para confortá-lo. – É claro que não há mal nenhum nisso... As pessoas são naturalmente preconceituosas, é só... Mas meu assunto com Nicole, era muito particular...
– Você também me acha esquisito, não é?


– Não acho você esquisito, best! Você é diferente. Ainda bem... O convencional não é suficiente pra mim.
– Diferente é só uma palavra melhor para esquisito! – Tadeu reclamou.


Aquela frase não merecia resposta. Virei de costas e caminhei para uma das mesas da cafeteria. Tatá me seguiu ainda discursando:
– Não, Léo, é sério! Você acha que posso parecer mais homem depois que eu perder minha virgindade?
– Eu já disse pra você parar de se preocupar com isso, Tatá. Ir pra cama com qualquer mulher não vai fazer de você um homem.


– Não... Não uma qualquer, mas... Você bem que podia me ajudar com isso! Afinal, você nem tá mais namorando...
Eu ri.
– Não posso mesmo te levar a sério, né? Fica tranquilo, você vai encontrar seu número...


Antes que Tatá pudesse replicar, minha visão foi encoberta por um par de mãos grandes, macias e longilíneas.
– Quem é? – Perguntei, mas não ouvi resposta, provavelmente a pessoa tinha certeza que eu a reconheceria pela voz, então redirecionei a minha pergunta. – Tatá, quem é?
– Rá! Vai achando mesmo que eu vou falar!


Tentei me concentrar e para minha sorte o vento estava a meu favor. Aquele perfume havia entrado há pouco tempo para a tabela da minha memória olfativa.
– Ok, fácil... Yuri.


Quando meu professor baixou as mãos, pude ver a expressão de choque de Tatá.
– Que foi? – Perguntei fingindo pouco caso.
– Eu não acredito que você já guardou o cheiro dele!


Eu fuzilei Tadeu com meu olhar. Como ele me solta uma frases dessas?! Ah, claro! Ele sempre solta uma frase destas!
– Não precisa hiperventilar, Tatá! Eu sempre fui boa nisso. – Não era mentira.
– Quer ver? Dune... Christian Dior.

A esta altura, Yuri estava se acabando de rir, e Tadeu ainda mais surpreso com toda aquela descontração.


– Traído por um fixador! – Disse Yuri sentando-se e ainda sorrindo. – Está tudo bem com você?
– Eu só estava me exibindo, a aliança em seu dedo te denunciou. Comigo está tudo bem... E com você? – Tentei usar de ironia, mas o efeito não foi o que eu esperava.


– Nã... – Resmungou. – Mais ou menos... Uma aluna faltou minha aula hoje, e, apesar da minha insistência, penso que ela vai mesmo me abandonar...

É. A dele foi infinitamente superior a minha. Eu não sabia o que dizer e se houvesse um buraco ali tenho certeza que Tadeu se enfiaria nele.


– Err... Humm... Com licença... – Meu amigo gaguejou. – Preciso err... Ir ao banheiro.
E com essa desculpa ridícula, nos deixou sozinhos na mesa.


Não tive nem tempo de reagir, pois ao meu lado Yuri já me lançava um olhar triste e decepcionado.
– Perdi você, não perdi, Léo?


Minha cabeça deu um nó.
– Me perdeu?!
– Eu não consegui te convencer, não é? Você vai mesmo trancar minha matéria...


Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tento e tanta informação bombardeando a minha cabeça, eu simplesmente havia me esquecido do pedido do meu professor, assim como do prazo para trancamento da matéria. Pelo menos eu tinha até sexta feira.
– Pra ser sincera... Eu... Não pensei nisso...


– Ah, Léo! Eu ficaria aliviado se você me desse até sexta, então... As coisas não saíram como eu esperava no fim de semana.
A frase dele me remeteu com pesar à cena de três dias atrás.
– Oh, meu Deus! Aquilo... A sua sogra... Ela... – Eu entrei em desespero e não conseguia me expressar, as palavras me faltavam. – Me desculpa!


Yuri respondeu automaticamente:
– Calma, Léo! Não é nada disso! Perdão, eu induzi você a entender tudo errado! Não se preocupe com a Edna, nem com a Sônia! Aliás, eu já tinha dito isso pra você.
– É impossível não me preocupar com isso, Yuri! Está acima da minha compreensão, sua sogra ter um chilique por nos ver abraçados e você me dizer que sua esposa não se importa! Mas, tudo bem! Isso não é mesmo da minha conta! – Retruquei exaltada.


– Vamos fazer o seguinte: eu vou pegar um café pra gente, e então responderei a todas as suas perguntas, combinado?

Eu não podia acreditar no que tinha acabado de escutar. Porque meu professor estaria disposto a abrir sua biografia para mim? Para quê?


Yuri me deixou com meus pensamentos na mesa, tentando criar uma lista com as perguntas em ordem de importância. Eu nem sabia de onde tirar coragem para fazê-las. De qualquer forma, não tive tempo de concluí-la, porque uma voz conhecida me tirou a concentração.
– Então é verdade, não é? – David estava parado na minha frente.


– É verdade o quê? Que você está usando arreio, rédeas e cabresto agora? – Ironizei. Quem era ele para vir me tomar satisfações?
– Ora, Léo, por favor! Você costumava dar mais importância a sua imagem! Logo você que não é de estudar... Anda se aplicando com afinco em Sociologia, não? – Ficou óbvio que a pergunta tinha duplo sentido.


Yuri voltou a tempo de me ouvir dizer:
– No que isto te afeta exatamente, para você descer do alto da sua arrogância e vir falar comigo?
– Eu não sou arrogante! E sempre te adorei, Loira! Você sabe disso!


Meu professor observava sem fazer menção de se meter. Parecia estar ali apenas por precaução. E prestava atenção em cada gesto e palavra.
– Ah, claro, David! E você provou muito bem beijando a piriguete no meio do átrio do Centro Acadêmico!


– Mas foi você quem começou! Me traindo com esse... Professor mauricinho!

Uma vez, citado, não pude culpar Yuri por finalmente se pronunciar:
– Hey, cara! Não me use como desculpa para as suas falhas. Você teve uma mulher maravilhosa em suas mãos e só enxergou a casca.


David olhou com raiva para Yuri, antes de virar as costas e ir embora sem responder, o que me fez crer que de fato, todo aquele tempo, o namorado que eu julgava perfeito, só via em mim o troféu que eu sempre gostei de ser. E, portanto, eu nem tinha o direito de ficar chateada. Mesmo que tivesse, não conseguiria. Ainda tentava assimilar que a “mulher maravilhosa” e “eu”, éramos a mesma pessoa.


Yuri voltou a sentar-se ao meu lado.
– Desculpe, nem trouxe os cafés! Quando vi seu ex-namorado, eu...
– Deixa prá lá... – Eu disse antes dele conseguir completar.


– Não deixo não, porque eu ainda quero responder suas perguntas.
Como ele fazia isso? Como ele sempre me surpreendia com suas atitudes?
– Tudo bem, Yuri! Não preciso de café pra isso. – Não seria a cafeína que me daria ânimo para tanto.


– Ótimo, Léo! – Ele não pareceu vacilante um segundo sequer. – Qual a primeira?
Naquele dia, qualquer uma me parecia mais importante do que a única que não tive receio de fazer.
– O que é “pôr do sol” pra você?


– Então quer dizer que além de você não ter perguntado nada do que queria saber, ele ainda te deixou sem a resposta da única pergunta que você fez?! – Tatá parecia mais inconformado que eu, quando voltamos pra minha casa.
– Como se a culpa fosse minha! Ele disse que não era algo pra responder, era algo pra me mostrar...


– Ain, Léo! Minha mente já viajou aqui... E se for tudo armação dele e da Nick para um jantar romântico numa praia particular sob o crepúsculo?
– Você pirou, Tadeu?! Que parte do “ele é o primo casado da Nicole” você ainda não entendeu?


– Mas, Léo! Ele nem desmentiu quando o David falou de vocês!
– Ele se ateve apenas ao que era importante, Tatá... E acabou me abrindo os olhos.


Era provável que Tatá respondesse, mas calou-se, assim como eu, pois no momento em que abrimos a porta, demos de cara com Augusta praticamente engolindo Pedro no meio da minha sala de estar. Aquela loira-biscate provavelmente ouvira sobre a volta de meu irmão quando Tadeu falava comigo ao telefone pela manhã.


Eles se desgrudaram ao escutar-nos entrar.
– Por Jesus, procurem um quarto! – Tadeu esbravejou.
Pedro me encarou sem graça. Eu tenho certeza que fiz cara de nojo.


– Ah... Eu estava curiosa para saber do teste... E acabei encontrando ele tão “tristinho”... – Augusta tentou se justificar. Nem sei por que ela se deu a esse trabalho.
– Pelo visto ele encontrou um bom consolo mesmo... Recompensador! – Debochei.


Não falei mais nada. Apenas tirei uma reta até o meu quarto, deixando todos para trás na sala, inclusive o pobre do Tatá. Pude escutá-lo antes da porta bater:
– A gente se fala amanhã, Léo!


Joguei-me na cama derrotada. Tanta coisa havia acontecido na minha vida naquelas últimas semanas, algumas delas alterando por completo meu modo de pensar. Se tanta coisa mudara desde então, porque não isso? Porque ainda me aborrecia ver aquele tipo de mulher aboletada em meu irmão?


Eu pensei cedo demais que minha vida tivesse voltado ao normal. Pelo menos parecia, pois Pedro havia regressado para casa e eu estava odiando ter que ser acordada de manhã.
– Não posso mesmo ter esperanças quanto você, não é Léo?
– Mas eu tô com sooooooono! – Minha cabeça estava enfiada embaixo do travesseiro. A claridade que entrava pela janela me incomodava.


– Encontre algo que te motive e não vai sentir mais tanto sono assim!
Eu me ergui irritada:
– O que é que é, heim? Você também andou conversando com a Nicole?!


– Nicole? Quem falou em Nicole? – Perguntou confuso, sentando-se na beirada da minha cama.
– É só que você falou igual a ela! Qual é o problema de vocês em aceitarem que eu quero fazer Medicina?!


Eu deitei minha cabeça em sua perna, enquanto ele me respondia:
– Nenhum, se alguma vez se mostrasse realmente interessada...
– Eu estava com saudades de suas lições de moral...


Pedro tirou uma franja do meu rosto, e sorriu com falsa preocupação:
– Quem é você e o que fez com a Leandra?!
– Me chame assim novamente e alguém vai ter que te substituir no treino de hoje! – Ameacei.


Mesmo que ainda brincasse com meus cachos ou alisasse minhas bochechas, seu sorriso fugiu me fazendo perceber a gafe que eu havia cometido.
– Desculpe. – Pedi. – Mas tenho certeza que sua vaga está assegurada aqui de qualquer forma.
– A vaga não me preocupa. Encarar os fatos é que me perturba. Os comentários invejosos dos que torciam contra e os olhares piedosos de quem torcia a favor.


– Não dê atenção, nenhum deles merece consideração.
– Ah, claro... Você é tão desencanada com isso, não é? Nem liga para o que falam de você... – Ironizou.


Eu dei um pulo da cama.
– Está certo... Tripudie! Não posso negar! Mas você nunca ligou, então...
– Acordou? Vai pra aula? Posso preparar o café?


– Depende... Posso usar o banheiro ou vou encontrar uma loira tendo espasmos na frente do espelho?
– Augusta não dormiu aí... Seu amigo a arrastou de volta para casa ontem.

Coloquei mais este item na minha lista de agradecimentos ao Tatá.


– Bem que eu não escutei nada... Pensei que você tivesse falhado... – Está certo, admito que falei por pura implicância, mas Augusta era intragável demais para qualquer gosto.
– Léo... Nesse quesito, eu nunca falho. – Ele revidou, fazendo com que eu me perguntasse como que aqueles poucos dias na república o fizeram aprender a ser tão ácido.


– Sua sorte é ser bonito, garoto! – Impliquei novamente. Pedro não pode ganhar de mim em provocação.
– Ah, olha só! Leandra Salvatore me acha bonito! Posso morrer feliz!


– Eu te avisei! – Exclamei ao mesmo tempo em que pulava em cima dele, para socar-lhe os ombros.
– Jura? – Ele desdenhou. – Está me fazendo cócegas!


– Você não tem graça! – Embirrei fazendo um bico.

Pedro parou de sorri e me encarou curioso. Ele parecia querer ler a minha alma e isso me paralisou diante de sua íris cor de mel.


Ele aproximou seu rosto tornando seu olhar ainda mais penetrante. O nariz de Pedro estava quase colado no meu quando alguma coisa pulou no meu estômago e eu fui obrigada a tragar saliva.


Fechei meus olhos e então o senti repousando sua mão em minha nuca, puxando-a gentilmente até que nossas bocas se encontrassem. Deu um leve beijo no meu lábio inferior e com delicadeza abriu minha boca com a sua língua.


– Hey, Léo! Dormiu de novo, é?

A voz de Pedro me despertou de algum estado letárgico. Abri os olhos para ver novamente o rosto de meu irmão muito perto do meu. Mas agora ele exibia um sorriso embaraçado.


Eu me assustei e saí de seu colo, me pondo de pé.
– O que foi isso? – Perguntei confusa.
– Isso o que? Você fechou os olhos e ficou muda. Eu te chamei e você só respondeu quando perguntei se dormiu. Onde sua cabeça estava?


Como responder se eu mesma não sabia? Eu dormi? Eu sonhei acordada? Foi um delírio? Mas foi tão real! Eu estaria enlouquecendo? Pedro me observava conjecturar sozinha e parecia receoso com a minha atitude.
– Você está bem, Léo? – Perguntou esticando os braços na minha direção.


Dei um passo atrás, com medo de ser acalentada e minha visão se embaçar novamente.
– E-eu... Err... Preciso de um banho pra acordar... É só! Vai mesmo preparar o nosso café?
– Claro... – Respondeu ainda ressabiado. – O que você quer?


– Você sabe tudo o que gosto no desjejum... Confio em você.
Seu rosto ganhou um novo sorriso e isso me animou.
– Ok! Te vejo na cozinha.


Despi-me, entrei no banheiro, abri o chuveiro, mas não entrei. Estava tão atordoada com o que acontecera, que não tinha coordenação nem para passar um xampu. Então agora eu tinha alucinações?! Inspirei profundamente, buscando não hiperventilar, enquanto tentava me convencer de que obviamente aquilo era apenas resultado de toda expectativa que vivi em torno da mudança de meu irmão.


Assim permaneci até ele bater na porta.
– Hey, Léo... Você está aí a mais de meia hora. Suas torradas estão esfriando! Você não dormiu de novo, dormiu?
– Não, Pedro! Eu já vou...


Tadeu passou o dia remoendo teorias sobre pores do sol. Mas a melhor delas ainda era a do jantar romântico, me fazia rir. Para minha sorte, ele não podia falar disso na frente das meninas, então eu tinha alguns intervalos. Era óbvio que eu estava curiosa, mas ele estava histérico.


Almoçamos no Bumper, na companhia de Geórgia e infelizmente de Augusta, que não parava de falar do meu irmão. Como é que ela não percebia que isso apenas fomentava a raiva que eu sentia dela? Ou ela fazia de propósito? Voto na primeira opção, pois gosto de pensar que ela é mesmo débil.


Quando ela falava o quanto ele beijava bem, minha língua ferina coçava para não dizer “é, eu sei” pelo puro prazer chocá-la. Mas tinha certeza que Pedro nunca deve ter trocado mais de meia dúzia de palavras com aquela imbecil. Duvido muito que tenha mencionado algo sobre isso.


Agradeci que ela se importasse tanto em estudar, porque então pude me livrar de sua presença na parte da tarde. Tatá me acompanhou até em casa.
– Não sei como vocês aturam a Augusta! Meu Deus! – Desabafei.
– Ela não é tão nociva quanto parece ser pra você, Léo!


– Como assim, Tatá?! Parece que ela fala as coisas só para me provocar!
– Não sei por que acha isso... Tirando aquela vez que ela te alfinetou com a história do David, ela só fala mesmo do Pedro! Porque isso te incomoda tanto?


É. E qual era a resposta? Tenho ciúmes do Pedro? Um ciúme anormal para um irmão?
– Ela é idiota! O Pedro não gosta dela, será que ela não vê?
– E daí? Isso não responde a minha pergunta. Se ela se deita com seu irmão sabendo que talvez ele nem olhe direito para ela no dia seguinte, eu só consigo sentir é pena dela. Sabe, sinto que ela no fundo, queria ser como você, mas nem de longe irradia uma luz como a sua... Augusta não nasceu pra brilhar, diferente de você, ela sempre será uma “segunda”. Mais um motivo para sentir pena.


As palavras de Tatá até me causaram compaixão, mas eu sabia que não por muito tempo. Aquela garota não me descia. E em outro momento, refletindo sobre isso, concluí que não gostava nem um pouco da idéia de haver alguém que tentava ser igual a mim. Ainda mais sendo um alguém que abanasse o rabo daquela forma para o meu irmão.


Mais tarde, quando Tadeu se despedia, perguntou:
– Você vai na aula do Yuri a manhã, não vai?
– Que diferença faz se vou trancar a matéria?!


– Afe, Léo! Ainda não tirou essa idéia tosca da cabeça?!
– Nem vou! Boa noite, Tatá! – Encerrei o assunto.


Meu irmão chegou não muito tempo depois. Eu havia acabado de vestir meu pijama, quando ele entrou no meu quarto.
– Oh! – Ele exclamou ao perceber que eu ainda me ajeitava ao espelho. – Desculpe, devia ter batido.
– Tudo bem! – Respondi casualmente. – Você só ia me pegar pelada. – Brinquei. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, ele me ver nua.


Eu realmente nunca liguei para isso. Em raras situações tive vergonha de estar exposta desta forma. Mas a verdade é que desde que Pedro saíra de nossa casa na cidade, só voltou a me ver em trajes menores quando vim morar com ele na UFEB, porém eu não era mais a mesma garotinha franzina.


Pedro disfarçou e mudou o assunto:
– Quer jantar?
– Obrigada, não estou com fome...


Ele já tinha se virado para ir a cozinha, quando perguntei:
– Como foi... Lá no treino?
– Ah, Léo... Não esquenta, foi... Tranquilo... – A voz falhada de Pedro não me deixou pensar que havia sido.


– Eu... Se você quiser falar... – Ofereci-me vacilante, e Pedro voltou. Eu não me lembro de ter feito isso antes. Era normalmente Pedro quem ouvia meus problemas e lamentações, quem me consolava, quem cuidava de mim.
– Está tudo bem... – Sorriu. Não sei dizer se apenas para me deixar sossegada.


Ele iria retomar o caminho de volta, mas eu o chamei novamente.
– Hey, Pedro... Eu... Estava torcendo de verdade por você. Não deve haver alguém que mereça mais aquela vaga! – Eu disse já engasgando.


Logo em seguida, não consegui segurar o pranto. Senti a dor que tanto detestava e levei a mão ao rosto. Pedro imediatamente me abraçou assustado.
– O que foi, Léo?
– Eu sou tão horrível!


– Pára com isso... Você sabe que não é verdade...
– Eu sou egoísta, Pedro! Eu não achava que eu fosse, mas sou! Devia estar mortificada por você, pelo seu teste... E não consigo! Então eu não devo valer muita coisa...


– Ah, Léo... Não posso ficar chateado com você por causa disso.
– O que quer dizer, Pedro?
Eu o encarava tentando ler sua expressão, porque alguma coisa me disse que ele não responderia minha pergunta.


Pedro sorriu.
– Venha! – Ele ordenou. – Sei que disse que não quer comer, mas acho que vocês mulheres tem uma idéia muito errada do que pensamos sobre “padrão de beleza”...

Como previ, ele evitou meu questionamento, mudando de assunto.


Eu o acompanhei. Mas não posso dizer que me alimentei. Para não parecer desfeita e evitar outras perguntas, botei pouquíssima comida no meu prato, e demorei uma eternidade em cada garfada.
– Está tão ruim assim?
– Não faça charminho, Pedro... Esse papel é meu. – Tentei ser divertida, e deve ter funcionado pelo sorriso que ele me deu.


– Então vamos fazer um acordo, Léo... Pare de se preocupar e deixe esse papel para mim. – Pediu.

E eu me lembrei que sempre havia sido assim. Eu querendo a atenção e Pedro sempre me atendendo. Porque afinal isto não parecia mais tão divertido e prazeroso?


– Esse acordo já não me parece justo.
– Não?! – Meu irmão estranhou, e flexionou apenas uma de suas sobrancelhas. Ele ficava particularmente charmoso quando fazia isso.


Eu me sentia motivada pelos últimos acontecimentos em nossas vidas, portanto achei que era um bom momento para mais uma mudança:
– Acho que consigo cuidar de você, também... Porque não me dá um crédito?


Às vezes, meu irmão saía muito cedo para o treino, e deixava para o despertador do meu iphone a tarefa ingrata de me acordar. Era o caso daquela quarta-feira. Eu estava especialmente mal humorada, por causa disso, embora não tenha sido aquele maldito alarme a causa de eu ter levantado da cama.


Acordei enjoada, com vontade de vomitar, mas não havia nada no meu estômago que eu pudesse colocar para fora. Senti vertigem ao me por de pé. Andei cambaleando até o banheiro e catei um plasil.


Depois de engolir o comprimido, fechei o armário encarei-me no espelho. Parecia um lixo humano. O que aconteceu? Eu estava tão bem na noite anterior quando me deitei!


Voltei para minha cama que parecia ainda mais convidativa que o normal. Macia, ainda mantinha a tepidez que meu corpo deixara no colchão. Não precisei de mais de cinco minutos para voltara dormir.


– Léo...
Eu devia estar sonhando. Era a voz do meu pai, e embora eu quisesse responder, eu me sentia muito fraca para isso.


Senti duas mãos em meus ombros, virando meu corpo, e novamente ouvi meu pai me chamando:
– Leandra! – Eu quis xingá-lo.
– Eu disse, Olívio! Ela parece desmaiada. Não responde, nem se mexe. Está ardendo em febre e nem consegui fazer ela tomar um anti-térmico. – Agora era a voz de Pedro que eu escutava.


– Léo! – Berrou meu irmão. – Olívio, o que ela tem?
– Calma, Pedro. É só uma febre. Um pouco alta, sim, vou examiná-la, mas por conta disso, é normal essa apatia. Você está muito nervoso! – Papai percebeu.


– É claro! Não é a...
Provavelmente Pedro lembrou de meu desmaio semana passada, quando deu a notícia sobre seu teste, mas optou por não falar, uma vez que meu pai parecia tranquilo quanto a meu diagnóstico.
– Não é o que? – A curiosidade do Dr. Olívio Já havia sido atiçada.


– Ah! É que... – Pedro engasgou antes de improvisar. – Léo não é de ficar doente, né? Me assustou um pouco...
Finalmente consegui pronunciar alguma coisa:
– Paaaaaaaai... – Minha voz saía arrastada. – Minha cabeça vai explodir... Me dá um remédio?


– Depende, Léo... O que é que você já tomou?
– Só um comprimido pra enjoo, pai... – Eu respondi com alguma dificuldade enquanto tentava me sentar.


– O que mais você está sentindo, filha?
Eu pensei em fazer chantagem e só falar se ele me desse um anestésico urgente. Ou arrancasse fora, a minha cabeça.
– Só isso! Essa moleza... Ô, paaaaai! Me dá logo!


– Há quanto tempo você se medicou, meu bem?
– Não sei... Não sei nem que horas são...


Pedro estourou.
– São quase seis da tarde, Léo! Porque você não ligou pra mim dizendo que tava passando mal? Eu ainda achei que você só estivesse dormindo!
– Estou na fase “tentando me virar sozinha”, esqueceu? – Respondi mal-humorada, aumentando a dor a tal ponto que me fez imaginar um vaso sanguíneo estourando no meu cérebro.
– Ei, ei, ei! Vamos parar, tá? – Intercedeu papai.


Mesmo que eu quisesse continuar, não havia como, o incômodo era insuportável. Meu pai me deu um comprimido e Pedro buscou um copo com água para mim.
– Eu acredito que seja apenas uma virose. Mesmo assim, quero que faça alguns exames.


– Ah, pai! Não precisa! Amanhã já vou estar melhor, é sério!
– Pode deixar, Olívio! Eu levo essa chatinha no laboratório nem que seja amarrada.


Meu pai só foi embora após me fazer engolir um prato de sopa e me fazer prometer que beberia pelo menos dois litros de água por dia. Meu irmão estava mais calmo e me encarava com olhar piedoso.
– O que foi, Pedro?
– Você está melhor?


– Eu estou bem... Ouviu o meu pai... Deve ser uma virose idiota. Vê... A febre já cedeu... – Respondi puxando sua mão e colocando na minha nuca para ele poder sentir minha temperatura. Uma sensação muito estranha percorreu minha espinha, e eu tremi de leve.
– Tem certeza?

Agora eu já não sabia mais.


Ele continuava a me fitar ainda que eu não respondesse.
– Léo... – Pedro fez uma pausa e puxou ar. – Eu não sei “não cuidar” de você... Por favor, me deixa fazer isso.

Estas últimas semanas me fizeram querer tanto aprender a me virar sozinha, não depender de ninguém nem para lavar a louça, mesmo que o detergente ressecasse minha pele e estragasse meu esmalte, mas como se nega um pedido destes?


– Foi por isso que não voltou para República? Foi por isso que voltou aqui pra casa?
– Também... – O que significava esse “também”? O que mais havia? Era algo aqui, que o atraía, ou algo lá que lhe causava repulsa? – Sabe... A hora que te chamei... E você não respondeu... Passou tanta bobagem pela minha cabeça, Léo! Prometa que não vai fazer uma besteira destas! Nunca!


Precisei de alguns segundos para entender do que Pedro estava falando. Eu já tive momentos ruins, mas suicídio nunca tinha sido uma alternativa para mim. Pelo menos não até ali.
– Se é esse o seu pavor, pode voltar praquele pardieiro, Pedro. O fato de você morar aqui não me impediria d’eu me matar, se eu realmente quisesse.


Pedro fechou a cara em uma expressão de raiva.
– Você adora me irritar, não é? Você gosta de ver minha careta...
– Não, Pedro, você que me irrita, o tempo todo! Me tratando como uma retardada, uma sem-noção!


Eu não respondi a segunda parte. Era verdade que ele ficava ainda mais bonito quando estava furioso, mas o tempo em que eu gostava de provocar meu irmão parecia tão distante agora... Não via mais graça nisso.
– Não, Léo! Sempre tratei você exatamente como gosta de ser tratada... Talvez você não acredite no quanto eu te admiro... Por isso está dizendo tanta bobagem!


Aquela foi uma noite estranha. Meu sono estava agitado e por várias vezes não sabia dizer se estava acordada ou dormindo. Entretanto, todas as vezes que acreditei estar de olhos abertos, notei Pedro sentado no chão debruçado na minha cama, cumprindo sua palavra.



2 comentários:

  1. Oh, My!!!!
    Pedroooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo!
    Sério, eu como o Tatá só posso sentir pena da Guta, não consigo ficar com raiva dela, nem quando destila seu veneno e muito menos por sentir atraída pelo Pedro. Quem não se sentiria?
    Até a Léo inconscientemente deu um beijo nele... rsrsrsrsrsrsrsrs

    AMO!!!!
    bjosmil! *.*

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  2. Hehehe, eu sei lá, gosto menos dela que da Pêpa... haushauhsuash. Não sou fã de gente invejosa. '-'

    Não posso culpá-la qt ao Pedro, é claro...

    A Léo fica tentando tapar o sol com a peneira! Não rola! Haushuashauh!

    Thanks, amore!

    ..: Bjks :..

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