sexta-feira, 5 de novembro de 2010

XIX – Boa Noite

Eu estava me preparando para dormir as poucas horas que me restavam de sono na madrugada, quando ouvi batidas na porta. Eu sabia que era Pedro, que entrou em seguida.
– Obrigada. – Agradeceu.
– Não fiz nada... – Eu fiz pouco caso. De fato não tinha feito grandes coisas. Apenas ajudado a conduzi-la pela escada espiral.


– Mesmo assim. – Ele fez um trejeito com as mãos, parecendo embaraçado, ficava mais bonito toda vez que ficava sem graça. Então emendou: – O quanto você escutou?
– O suficiente.


Pensei que minha resposta iria irritá-lo. Mas não foi isso que ele demonstrou.
– Desculpe...Fui idiota forçando essa situação. Tinha esperanças que conseguissem manter um diálogo. No fundo, acho vocês duas tão parecidas... Não entendo como não são melhores amigas.


Eu me controlei para não gritar, mas não consegui evitar de trincar os dentes. Eu não sou parecida com ninguém, muito menos com a Penélope. Não acreditei que ele tivesse feito tal comparação!
– Dois bicudos não se beijam. – Respondi contra a minha vontade.


– Vem aqui...
Ele me puxou junto ao seu corpo, fechando os braços nas minhas costas. Eu descansei a cabeça em seu peito. Parecia que havia passado uma eternidade desde a última vez que Pedro me aninhou assim.
– Porque você mudou comigo? – Perguntei baixinho entre soluços, e torci pra ele não escutar.


Eu queria saber seus motivos, ao mesmo tempo não queria admitir o quanto aquilo estava me incomodando.
– As coisas podiam ser mais fáceis, não é? – Ele rebateu minha pergunta, me deixando sem saber se ouvira ou não.

Preferi o silêncio e o aconchego de seu colo, e não respondi. Pedro estava imóvel e calado, deixando por minha conta o momento da separação.


Depois de alguns minutos, eu me dei por vencida, não conseguiria dormir em pé.
– Eu... Estou com sono... – Disse ao me afastar com um pesar sem tamanho.
– Venha, eu te coloco pra dormir... Como fazia logo que vim pra essa casa.


Isso era uma lembrança tão boa! Não sei se Pedro queria minha “aprovação como irmã”, ou se foi só pra quebrar o gelo, entre duas crianças que teriam que dividir tudo dali em diante. A verdade é que desde a primeira noite em que dormiu aqui, Pedro criou o hábito de me pôr na cama.


Logo ele estava lendo histórias pra mim. Embora eu preferisse mesmo era ficar provocando meu irmão com perguntas desconcertantes, que nem combinavam com a minha idade.
– Pedro, você já beijou? – Perguntei no meio da leitura de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.


Eu não imaginei que minha curiosidade fosse deixá-lo corado.
– Que pergunta é essa, garota? Você quer ou não quer saber se a Grifinória ganhou o jogo de quadribol e a taça das casas?


– Prefiro saber se você já beijou... De língua! Estalinho não vale, até eu já dei!
– Léo! Onde você ouve essas coisas?


Apesar do interesse precoce, eu não tinha nenhum entendimento, apenas um forte desejo de matar minha curiosidade. Aproveitava-me da confiança de Dora e dos horários malucos da profissão do meu pai, para ver programas inadequados para minha faixa etária. Ou entrar em sites proibidos para menores. Eu tinha muitas perguntas.


Desci da cama, e caminhei rebolando em direção a Pedro
– Ah, Pedro! Em todo lugar! Você não?! Seus amigos? Nunca beijaram?
– Léo, é melhor você dormir! Já passou da hora... – Ele disse constrangido, e fechando o livro.


Pedro se levantou, mas deixou o livro cair no chão com um baque surdo, no momento em que me pendurei em seu pescoço. É provável que aquela tenha sido a primeira vez que fiz o gesto que cansei de repetir ao longo de todos esses anos.
– Eu acho que você podia trocar esses óculos por lentes de contato. Já ajudaria... Seus olhos são tão bonitos e expressivos, Pedro!


Meu irmão se desvencilhou timidamente do meu abraço.
– Léo... Eu estou com sono... Acho que vou pro meu quarto dormir... – Ele estava completamente envergonhando, e eu nem tinha consciência do motivo.


– Que pena... Se você já tivesse beijado... Podia me ensinar...
– Você ficou maluca, garota? Não vê o que está falando! Eu s-sou seu irmão... – Gaguejou. – Não podemos fazer isso!


– Mas não somos irmãos de verdade... Não seria pecado nem nada... E eu preciso aprender, Pedro! Como vou beijar o garoto que eu gosto se eu não sei como se faz isso?
– Você gosta de alguém? – Perguntou.

Hoje, lembrando, percebo que Pedro parecia desapontado. Ou surpreso. Ou os dois.


– Ah, tem um menino na escola... Mas ele parece mais interessado em brincar de pique-pega com os amigos no recreio... – Comentava com rancor.
– É o normal na idade dele, Léo... Assim como o normal, seria você estar preocupada com a sua casinha da Polly Pocket. No máximo com ingressos para o show da Britney Spears...


Eu me pendurei em seu pescoço mais uma vez.
– Promete pra mim, Pedro... Promete que quando você aprender, vai me ensinar!
– Você só pode ter batido com a cabeça, guria!


– Promete, Pedro! Por favor, por favor!
– Esquece, Léo! Sabe... Você é muito nova pra pensar nisso! Ande, deite... Eu tenho prova amanhã, preciso dormir...


Voltei para o presente, e ao me deitar, ele ajeitou minha coberta, igualzinho como fazia naquela época.
– Boa noite, Léo... Durma bem.



2 comentários:

  1. Léo mostrava, já naquela época, o quanto as meninas "amadurecem" mais rápido! rsrsrsrsrsrsrsrs

    Amo!
    bjosmil! *.*

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  2. Huashuahsau, e como, Mitaaaaaaaa!
    Obrigada, querida! Bjks!

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