domingo, 17 de outubro de 2010

XIII – O que?


Foi a primeira vez que passei uma noite com David, mas sem sexo. Nós dois sempre tivemos um apetite inegável e uma química perfeita, então estávamos sempre dispostos. Conheci um lado seu totalmente novo e não posso dizer que não gostei.



Eu estava fitando meu namorado da beirada da cama quando ele acordou.
– Hey, bom dia, loira mais linda desse mundo! – Ele disse, abrindo e fechando os olhos. – Pelo visto não consegui fazer você dormir tão bem quanto eu desejava.
– Não seja bobo, foi uma das melhores noites da minha vida.


David abriu um sorriso agradecido.
– Que horas são?
– Quase sete, por quê?


– Nossa! Já?! Preciso ir pro campo! – Exclamou dando um pulo na cama.
– Ah, amor... Fica mais um pouco!


David se pôs de pé com urgência e eu o abracei pelas costas.
– Loira... Você acha mesmo que prefiro ficar lá no meio daquele bando de caras fedidos, em vez de ficar com você?


Ele se virou e segurou meu rosto, assim que eu disse:
– Não! Mas com aquele bando de cheerleaders...
– Nenhuma delas chega aos seus pés...


Eu adorava esse tipo de elogio, mesmo que nem sempre acreditasse nele.
– Acho bom que pense assim. – Concluí e despedi-me ficando na ponta do pé para lhe dar um beijinho, antes de enfrentar minha rotina matinal.


Entrei séria e compenetrada na sala de Sociologia. Sentei no meu lugar sempre reservado e apenas acenei discretamente para meus amigos. Yuri já estava à frente do quadro negro, conversando simpaticamente com os alunos puxa-sacos da primeira fileira para variar.


Aquela história dele esperar eu chegar para começar a aula estava começando a me intrigar, e achei que Tatá leu meus pensamentos quando comentou:
– Quero ver o dia que você resolver não vir mesmo... Vamos ficar aqui aguardando até terminar o tempo?


A idéia me fez rir. Não acredito que Yuri deixaria de dar uma aula só para me esperar, mas fiquei extremamente tentada a fazer um teste.
– Claro que não, Tatá! Porque ele faria isso?
– Sei lá, estava esperando você me responder... Vai dizer que é coincidência?


– E como você quer que eu saiba?
– Ué... Não é você que é a melhor amiga da priminha do professor, que fica depois da aula, que recusa convite de almoço?

Ôpa! Espera aí!


– Quem te falou isso, Tatá?
– Ah, Diva... Me diz o que eu não sei? Só não entendo porque não foi você a me contar o babado.

Eu não respondi. Preferi voltar minha atenção para o professor e a matéria.


Ao final, Tatá levantou e saiu sem me esperar, e as meninas o seguiram. Ele devia estar mesmo magoado. Mas eu nem sabia exatamente que versão de história ele poderia ter ouvido. Nem de quem. Admito que sempre havia alguma coisa de mim pra falarem, fosse verdadeira ou não. E falavam.


Eu não via problemas em conversar com o Tatá. Ele sempre soube guardar minhas confidências, eu só precisava me lembrar de pedir. Conversaria com ele depois, agora eu estava tentando decidir se deveria levantar e ir até Yuri.


Não foi preciso. Quando levantei da cadeira, ainda pensativa, ele surgiu ao meu lado.
– Oi, Léo. Perdão pelo meu comportamento pouco cortês anteontem.

Eu não esperava por aquilo. Não era eu quem devia um pedido de desculpas?


Agora eu não sabia o que dizer e detestava isso. Eu estava parecendo débil. E devia ser exatamente essa, a percepção de Yuri. Ele provavelmente me achava uma imbecil.
– Então tá... – Completou sem jeito. Ele estava mesmo aguardando meu perdão?
– Você não foi descortês. – Foi a única coisa que consegui dizer.


– Fui sim, mas tudo bem, aceito sua gentileza em não me dizer.

De onde esse cara saiu? Cortês? Gentileza? Eu ainda estava olhando idiotamente pra ele.



– Estou te assustando? Eu não sou bipolar, eu juro!

Ok, eu morri agora! Com certeza estava passando atestado de estúpida.
– Ah, não... Eu também não fui... Elegante...


Yuri riu e eu invejei a sorte da esposa dele. Por pior que fosse seu dia, imaginei ser impossível ficar mal humorada frente àquele sorriso tão perfeitamente esculpido. Se Ariel fosse só um pouco parecida com seu pai, seria um verdadeiro anjo. Tive mais inveja ainda.


– Então, eu vou propor mais uma vez. Aceitarei e entenderei sua recusa. Prometo que, neste caso, não a convido mais.
– O quê?! – Eu demorei a entender a que ele se referia. Mas a culpa era dele, não dava para me concentrar em nada olhando para aquela boca.


– O almoço... Assim podemos tirar as más impressões, o que acha?
– Ah! Claro! – Afinal meus amigos já tinham me abandonado mesmo.


– Hum... por volta de uma hora pode ser? Você vai estar em casa? Posso passar pra te pegar se você me disser onde é.
– Não, eu tenho aula de... Eu tenho alguma aula! – Eu de fato nem lembrava de quê.


– Ah, ótimo! Então passe aqui. Eu estarei esperando.


Yuri me levou para almoçar fora do Campus. Achei que fez isso pensando em não complicar minha vida tentando fugir da fofoca natural dos alunos. Não que tivesse funcionado.


Ele passou a maior parte do tempo falando do quanto estava gostando de lecionar, mesmo que provisoriamente.
– Mas a Dona Geralda não se aposentou? – Eu perguntei um pouco apavorada. Não sei se conseguiria voltar a assistir uma aula dela depois de conhecer o Yuri.
– Ah, não... Essas coisas não são assim... Ela está de licença médica. Mas acredito que continue até o final do semestre pelo menos.


Eu suspirei aliviada e Yuri olhava pra mim.
– Mas claro que eu torço para que você consiga sua vaga permanente, né? – Só então raciocinei que isso implicaria em torcer contra a pobre velhinha. – Quer dizer... Não que eu queria o pior pra Dona Geralda, mas...


– Eu entendi, Léo... – Ele me interrompeu, graças a Deus, mas seu sorriso arrasador acompanhou sua conclusão. – Relaxa.
Eu não estava relaxada. Eu não fazia idéia do motivo, mas não estava. Ainda sentia dificuldade em me concentrar no que ele dizia. Eu só conseguia prestar atenção nos gestos e trejeitos até ele falar a palavra “Ariel”.


– Ah! E como ela está? – Perguntei interessada, assim que readquiri os sentidos.
– Está ótima! Sabe... Para idade que tem, ela começou tarde a falar... Mas acredita que esta semana ela falou uma frase inteira?


– É mesmo? Qual foi? – Eu estava me perguntando de onde surgiu essa repentina curiosidade pelo desenvolvimento da filha do meu professor.
– “Eu quero”! – Ele respondeu resignado. – Acho que é a primeira frase que todas as mulheres aprendem.


– De todas eu não sei, mas com certeza deve ter sido a minha! – Eu disse automaticamente.
Ele riu.
– A sua sinceridade é fantástica!


Não, não era. Ela apenas fluía. E nem todo mundo gostava disso.
– Porque você me esperou pra começar a aula hoje? – Eu achei que o pegaria de surpresa com a pergunta, mas Yuri nem pestanejou.
– Por que você não ia gostar de perder a matéria.


Eu acho que minha sobrancelha curvou antes d’eu rebater:
– E se eu resolvesse não ir?
– Ah... – Ele respondeu com um sorriso torto que eu ainda não conhecia. – Eu sabia que isso não ia acontecer.


Não deve haver nada mais irritante do que alguém deixar claro o quanto você é previsível. Pelo menos foi o que achei naquele momento no restaurante e ainda agora no carro. Eu estava parada na vaga de casa e não conseguia sair. Estava mais preocupada em socar o volante.


Ouvi batidas no vidro, e em seguida a voz de Pedro:
– O que o pobre do Citroën te fez pra merecer essa surra?


– Não é da sua conta! – Não era mesmo. Ele não estava mais interessado...
– Está certo. Mas se pretende ficar aí, feche o teto solar, parece que vai chover... – Respondeu saindo. – E o David te ligou.


Catei meu iphone. Havia quatro ligações perdidas: três de David e uma de Tatá. Eu não liguei de volta, mas desliguei o celular, e só saí mesmo do carro quando começou a chuviscar. Apenas porque ia ser péssimo pro meu cabelo sair debaixo de temporal.


Eu me tranquei em meu quarto o resto do dia e por duas vezes meu irmão bateu na porta dizendo que tinha feito alguma coisa pra comer. Não liguei.


Estava quase pegando no sono quando ouvi o telefone soar três vezes antes de Pedro atender. Então o silêncio e as batidas se repetiram em minha porta.
– Léo... Telefone pra você. – Ele esperou uma resposta que não houve. – Léo... Você está acordada? É o David...

Eu fingi que não.


Escutei ele contar inconsciente a mentira para meu namorado ao telefone:
– Ela tá dormindo, cara... Não respondeu não...

Depois afirmou que me daria o recado e desligou.


Escutei os passos de Pedro mais uma vez próximo a minha porta, mas desta vez ele não bateu. Pensei ter escutado o som de alguma coisa arranhando a madeira, e imaginei que ele tivesse se sentado ali. Mas por quê?


– Léo... – Ouvi meu irmão me chamando novamente. – Se alguma coisa estivesse realmente ruim, você me contaria, não contaria? Mesmo eu não... Te dando muita atenção esses dias... Se fosse sério... Quer dizer... Preciso saber se está tudo bem, e você sempre me falou, e você nunca parece triste...


O silêncio reinou por mais alguns segundos, antes dele concluir:
– Você não me deixaria no escuro, não é?


Eu não esperava escutar nada daquilo. E embora sentisse uma vontade enorme de abrir a porta e colocá-lo em meu colo, eu não encontrava forças para me levantar do chão. Então apenas respondi para mim mesma:
– É claro que não...



2 comentários:

  1. Ok... Léo realmente não sabe lidar com seus sentimentos e muito menos o que realmente deseja. Mas o Pedro é um fofo! *.*

    Amo!
    bjosmil *.*

    ResponderExcluir
  2. Não sabe nadinha mesmo, Mita! =(
    O Pedro é sempre tão... Protetor! *O*
    Thaks!

    ..: Bjks :..

    ResponderExcluir