terça-feira, 12 de outubro de 2010

XI – Indigestão


Não consegui encontrar meu irmão na manhã seguinte, antes de sair. Aproveitei quando David entrou no banheiro, para bisbilhotar o sótão e o quarto de Pedro, mas ele não estava em lugar nenhum.




Meu namorado me acompanhou até a porta da sala da minha aula de Sociologia.
– Te vejo mais tarde? – Perguntei. – Podemos almoçar?
– Não vai dar não, gata... O treinador tá fulo com a nossa atuação, quer todo mundo no campo antes do final da manhã.




Eu fiz um bico que David aproveitou para beijar.
– Não fica assim... De noite eu passo na sua casa, pra te dar um beijinho de boa noite... Ou qualquer coisa a mais que você queira...




Eu não consegui dizer nada, a imagem de censura no rosto de Pedro, e de sua violência com o saco de areia voltaram a minha cabeça contra a minha vontade. Não entendia porque desta vez ele estava tão aborrecido, assim como não entendia porque a reação dele também estava me incomodando tanto. Afinal, não era novidade que David passasse a noite comigo.




Eu inventei uma mentira rapidamente:
– Ah... Essa noite não vai dar... Tenho trabalho de grupo, com o Tadeu...
Apesar de sentir ciúmes da maioria dos meninos do Campus, curiosamente David não se importava da proximidade entre mim e Tatá. Sem contar a confiança que ele também depositava em Pedro.
– Ah, gata... Então só vamos nos ver de novo amanhã...




Eu o beijei para me despedir, e depois virei para entrar na sala, não sem antes perceber que a maioria das pessoas lá dentro olhava pra mim. Não que isso não acontecesse volta e meia. David tinha uma popularidade absurda, e tenho que admitir que a minha não ficava muito atrás.




Procurei por Yuri antes mesmo dos meus amigos. Ele estava no canto, e me lançava o mesmo sorriso cativante da semana anterior.
– Tudo bem, dona Léo? Que bom que nos fará companhia hoje... Podemos começar?

Ele era o único professor que não me chamava pelo meu nome horrível.




Eu ocupei o lugar que Tatá sempre reservava para mim, bem ao seu lado ao mesmo tempo em que Yuri deu início a sua aula.
– Parece que só estávamos esperando você... Eu bem tentei avisar que talvez você não aparecesse, mas pelo visto, o engano era meu mesmo. – Ele parecia ressentido ao falar.




– Desculpa, Tatá... Nem vi a hora... O Pedro sumiu de manhã, estou preocupada... – Murmurei.
Eu não queria chamar mais atenção, mas à menção do nome de Pedro, Augusta quase teve um faniquito.
– Sumiu? Como assim, sumiu?!




– Será que você pode guardar seu chilique pra depois da aula? Yuri já começou...
Pensei d’ela responder minha patada, mas Tadeu lançou-lhe um olhar de reprovação.




Quando o professor terminou, eu caminhei até a frente da sala, onde ele ainda se encontrava, conversando com um de meus colegas de classe, que eu sequer sabia o nome. Eu normalmente o interromperia sem nenhuma cerimônia, mas esperei ele terminar o que quer que estivesse falando.




– Como está Ariel? – Perguntei quando ele se voltou para mim.
– Ah! Andou falando com Nicole, não é? – Sorriu.




– Ela não é de ter crises...  – Ele prosseguiu em resposta. – Mas acontece que apareceu um gatinho esses dias no nosso quintal e a baixinha ficou encantada... Eu sabia que devia ter evitado o contato de Ariel com o bichano, mas não tive coragem de separá-los.

Ele falava com tanta ternura de sua filha, que era impossível achar que a menina fosse menos que adorável.




– Não foi culpa sua... – Eu me surpreendi com minhas palavras. É claro que não era culpa dele, mas o que eu tinha a ver com aquilo? – Err... Eu não quis dizer isso, claro que não foi, mas o que você poderia fazer? Quer dizer você sabia que ela tinha asma, mas...




Ok, eu não estava conseguindo consertar o que havia dito. Aliás eu não estava nem conseguindo ser coerente. Yuri riu e isso não ajudou em nada. Eu me irritei.
– Ah, esquece... Só vim dizer que gostei da aula, e que absorvi alguma coisa...  Desculpe.




Eu já ia virando para sair, mas Yuri me chamou:
– Hey, Léo! Espera! Eu entendi, tá bom? Relaxa...
– Tá... Só que... Não estou acostumada a ficar desconfortável e estou me sentindo um tanto assim agora...




– Você é sempre tão sincera?
– Normalmente... Quer dizer... – Vacilei. – Nem sempre. Com licença... Preciso enterrar minha cara em algum lugar.




Ele riu novamente. Será que ele não percebeu que isto estava acabando comigo?
– O que vai fazer no almoço?
– O quê? – Não é que eu não tenha escutado. Eu perguntei mais para ganhar tempo para assimilar a pergunta.




– É que eu tenho mais duas aulas para dar agora, mas estou livre na hora do almoço. Gostaria de conversar com você.

Eu me lembrei de Nicole e sua meta de querer resolver a minha vida.
– Obrigada pelo convite, Yuri, mas estou dispensando esse tipo de conversa...




– Que tipo? Se eu nem mencionei qual era o assunto?
– Ah, mas sei muito bem o que a Dona Nicole Tedesco andou falando pra você a meu respeito...




– Não faço idéia do que você esteja falando... Mas compreendo sua posição. Seu namorado também pode não gostar.
– Eu não preciso pedir permissão ao David, se é o que está pensando...




– Desculpe, Léo, mas se você julga minhas intenções... Eu me sinto no direito de julgar suas reações... Talvez você esteja certa mesmo, talvez tenha sido uma péssima idéia! A gente se vê na quarta! – Yuri encerrou.




Depois de ser dispensada pelo meu namorado por causa do maldito futebol e de ter feito aquela grosseria com meu professor de Sociologia, acabei me conformando em ter a companhia de Augusta durante o almoço, já que ela, Geórgia e Tatá costumavam almoçar juntos.




– Porque você tava tão esquisita quando saiu da sala, heim, Léo? O que foi que o Yuri te falou?

Tatá era um amor de amigo. Mas tão indiscreto! Eu não queria falar nada na frente da meninas, principalmente da Guta.




– Eu? Esquisita? Porque eu estaria esquisita?
– Sei lá! Foi por isso que eu perguntei...




Talvez aquele pequeno bate-boca se estendesse por todo o almoço se não tivéssemos visto algo que nos chamasse mais atenção. Tatá continuava falando mesmo ao ver Pedro entrar acompanhado de Luiza na lanchonete. Eu nem escutei.




Escolheram uma mesa não muito próxima a nossa, e acho que nem nos viram. O que é que Pedro estava fazendo ali, se David disse que tinha treino? Nem uniforme Pedro estava usando.
– Eu não acredito nesse seu irmão, Léo! Que cara de pau!




Minha mente voltou à nossa mesa para tentar entender do que Augusta estava falando.
– Ele deve ter feito de propósito! Com aquela... Aquela... Nerd insossa! – Ela continuou. – Aposto que ele só quer me fazer ciúmes!

Ela realmente acha que Pedro estava aqui para provocá-la? Ou ela não o conhece nada, ou é uma completa idiota.




– Guta... Ele não é seu namorado... Não vejo o motivo de sua revolta.
– Ah, Léo... Você tem razão! – Ela disse num tom provocativo. – Mas ele não devia estar treinando com o SEU? Ou será que não teve treino nenhum?




– Não que interesse a você, mas... Eu já vou saber disso... Com licença, Tatá! – Eu pedi, na intenção de ir até a mesa de Pedro.
Augusta fez menção de levantar também:
– Eu vou com você.




– Nem pense nisso! Pode ficar aí! Ou então vá sozinha... E eu finjo que nem te conheço.
– Ai, credo, Léo, você é tão malcriada!

Eu não respondi ao insulto. Às vezes eu sou mesmo. Mas desta, achei até eu que tinha uma certa razão. Aliás, eu sempre tinha razão quando se tratava da Guta.




Caminhei em direção a mesa de Pedro, já com raiva de David. Ele teria coragem de mentir descaradamente pra mim? Se não, se ele estava mesmo falando a verdade, o que Pedro estava fazendo ali?




– Você não devia estar no campo de futebol? – Perguntei, ignorando o manual da boa educação. – Achei que estariam treinando agora...
– Eu já tinha outro compromisso. – Respondeu Pedro. – Você conhece a Luli, não conhece?




Infelizmente eu conhecia. Luiza, outra das “peguetes” de Pedro – com certeza a mais inteligente delas –, era uma morena mediterrânea, com cabelos negros e lisos de dar inveja a qualquer mulher mortal. Tinha uma beleza exótica, apesar de fazer questão de se esconder atrás de óculos e boinas ou de roupas apagadas.




– Oi, Luli...  – Cumprimentei sem dar muita atenção, e voltei ao que interessava. – Então, está tendo treino?
– Se sua preocupação é saber se seu namorado te deu um balão, pode ficar tranquila...




– Obrigada. – Eu agradeci aliviada, e já voltando à minha mesa para ter o prazer de torturar Augusta, quando Pedro completou:
– O que não quer dizer que não haja alguma diversão por lá...




Eu voltei. Mas, apesar de insegura pelo teor da informação, eu não dei a Pedro o gostinho de me ver apreensiva.
– Ah... É melhor que ele não seja tão estúpido... Mas na verdade, minha preocupação era com você, pois pelo que pude entender, a coisa tava meio feia com o treinador... E como não te vi pela manhã...




– Você sabe que não precisa se preocupar comigo, Léo... Eu costumo saber me virar, não é?
– Err... Hã... Com licença... – Pediu Luiza. – Preciso ir ao toalete.

Eu senti mais raiva. Porque ela tinha que ter tanta presença de espírito? Eu precisava dos defeitos dela e não de suas qualidades. Como vou fazer mal juízo de uma pessoa assim?




– Léo... Você precisa saber de mais alguma coisa? Está realmente sendo incômoda. – Pedro afirmou assim que teve certeza que Luiza não ouviria.
– Sim... Preciso! Preciso saber por que a melhor amiga da Pêpa sai com você...




– Pêpa e eu somos amigos... Qual o seu ponto?
– Eu ouvi sua conversa com Nicole... Você confessou que ela gosta de você! Aliás foi uma conversa bastante estranha...




– Eu não sei do que você está falando, Léo... E sinceramente... Também não sei por que é que isso te interessaria...
– Tudo o que diz respeito a você me interessa, Pedro, porque você é meu irmão!




– Essa é sua desculpa para tudo não é, Léo?

Eu não entendi o sentido daquela pergunta. E exatamente por causa disso, eu não soube responder.




Pedro estava me encarando e aguardando que eu falasse. Mas nada saía, até que ouvi a voz salvadora de Tadeu nas minhas costas:
– Nossos pedidos já chegaram... Vem, Léo, sua comida vai esfriar...






2 comentários:

  1. Eu sempre achei muito estranha esta "amizade" Luli e Pepa... Mas, fazer o quê? Deixa pra lá!
    Me pergunto que tipo de diversão o David tá tendo lá no treino... Provavelmente já sei a resposta! lalalalalalalala

    AMO!
    bjosmil! *.*

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  2. Eu tb não acho isso muito normal, não... G.G
    Haushauhsauhsuas, pois é! Será que Pedro falou de propósito? .lala.

    Obrigada, queridona!

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