II - Nicole

– Está atrasado! – Reclamei assim que Pedro entrou com Augusta em seu calcanhar.
– Oi, Léo! – Ela exclamou com o gritinho afetado de sempre. Não é possível que gostasse tanto de mim assim. Eu nem posso dizer que a tratava bem.

– E aí, Guta? – Cumprimentei-a com dois beijinhos recheados de sorrisos. Não que eu estivesse feliz.
Pedro fechava a porta enquanto me respondia:
– Eu disse “lá pelas nove”... Ainda não são dez.

Ele andava tão sem paciência comigo! Isso era um tanto intrigante.
– Faltam cinco minutos...

Pedro suspirou.

A campainha tocou acabando com o que poderia se tornar uma discussão. Pedro voltou para abrir a porta. Eu sabia que era Nicole, que já entrou com seu sorriso radiante. Como alguém conseguia ser tão feliz?
– Nick! – Exclamei.

Eu ainda a estava abraçando quando ouvi Pedro resmungar, ainda que em tom de brincadeira.
– Se eu soubesse que você vinha deixava a tarefa tediosa de ajudar Léo com a pesquisa pra você.

– Ah, mas quem disse que sou boa nisso? – Ela disse ao abraçá-lo. – O CDF aqui é você! Além do mais... Moda não tem nada a ver com Medicina...
– Engenharia também não... Mas parece que não tenho muita saída...

– Vocês querem parar de conversar como seu eu não tivesse ouvindo? – Pedi mal humorada, enquanto Nicole cumprimentava Augusta, que parecia não ter gostado nada de saber que teríamos visita. Não a visita de Nicole. Ela devia morrer mesmo de inveja e ciúmes. 

Inveja, porque Nicole parecia perfeita. Rica, belíssima, doce, simpática, inteligente. Mas os ciúmes eram infundados, porque apesar de muito amiga de Pedro, eu sei que ela é completamente apaixonada por Neto.

Após concluirmos o trabalho, Pedro rapidamente se trancou com Augusta no quarto sem nem me desejar boa noite. Essa atitude estava começando a me incomodar.

Encontrei Nicole saindo do banho quando entrei no quarto.
– Ai, já tinha esquecido o quanto seu chuveiro é gostoso, amiga!
– Você só tem tempo pro seu goleiro, agora! Neto pra cá, Neto pra lá... As amigas, nada! 

– Que mentira! – Nicole exclamou enquanto eu me jogava de costas na cama. – Tenho tido tanto trabalho no meu curso que não tenho me dedicado a mais nada...
– Você devia estudar aqui! Na UFEB, como a gente.

– Não tem Moda na UFEB, Léo! Acha que não preferia ficar perto de você e do Neto?
– Podia ter escolhido outro curso, tem uma infinidade aqui.

– Eu não faço faculdade “por fazer”!
– Uhhh! Isso foi uma indireta?

– Não, Léo, foi direta mesmo! Você é tão inteligente, porque não se dedica a alguma coisa que goste?
– Porque não tem nada que eu goste, e meu pai vai ficar feliz se eu for uma grande cirurgiã como ele.

– Como você pode ser uma grande cirurgiã se nem ao menos consegue frenquentar as aulas de anatomia no laboratório?
– Não suporto o cheiro de éter! Entranha no meu cabelo!

Nicole riu, e desistiu da discussão. Depois se dirigiu ao armário. Ela me conhecia o suficiente para saber que não me convenceria. Sou uma Escorpiana insuportável.
– Posso pegar um pijama emprestado? Não trouxe nada...
– Claro... Escolha o que quiser...

– Ah, esqueci de te contar! Acho que meu primo vai ser seu professor!
– Professor de quê, se o semestre já vai quase pelo meio?

– Você não frequenta mesmo as aulas, não é? Dona Geralda, professora de Sociologia teve uma esquemia e está de licença. Pela idade, provavelmente será aposentada. Ele vai substituí-la.
– Nem sei pra que serve Sociologia no curso de Medicina.

– Sabe, sim, Léo, pára de implicância... Sociologia é uma matéria importante para qualquer curso. Além do mais... Ele é um gato!
– Ah, agora pode ser que Sociologia se torne algo interessante. – Sorri, até porque, se fosse ao menos parecido com Nicole, seria mesmo lindo.

– Uma pena que seja casado!
– Ah, não sou ciumenta... – Brinquei, mas homens casados nunca fizeram meu tipo.

Nós ensaiamos uma gargalhada, mas ela se perdeu, assim que ouvimos os gemidos de Augusta no quarto ao lado.
– Como Pedro consegue transar com ela sem vomitar?
– Que coisa horrível de se dizer, Léo! O que está te incomodando, heim?

– Ele tem me ignorado... Não gosto disso.
– Como pode pensar assim se ele interrompeu o programa que já tinha marcado, só pra fazer um trabalho com você?

– Não dá atenção pro que eu digo... Nem me abraça mais como antes...
– Já pensou que pode não ser tão divertido pra ele quanto é pra você?

– Nossa, Nicole, você também está chata hoje, viu! Vou tomar meu banho e dormir, é o melhor que tenho a fazer! Boa noite!

Nicole riu novamente. Às vezes era simplesmente irritante que ela me conhecesse tão bem.